Complexos Imunes do Fator VIII Circulantes em Pacientes com Hemofilia A Adquirida de Tipo 2 e a Proteção à Proteólise Mediada pela Proteína C Ativada
Keiji Nogami, Midori Shima, John C. Giddings, Kazuya Hosokawa, Masanori Nagata, Seiki Kamisue, Hiroshi Suzuki, Masaru Shibata, Evgueni L. Saenko, Ichiro Tanaka, and Akira Yoshioka
RESUMO
Anticorpos inibidores do Fator VIII (FVIII) são classificados em dois grupos de acordo com o padrão cinético da inativação do FVIII. Os anticorpos de tipo 2 são observados mais costumeiramente em pacientes com hemofilia A adquirida e não inibem completamente a atividade do FVIII; na maioria dos casos, níveis substanciais de FVIII circulante são detectados. Três anticorpos de tipo 2 de pacientes que tinham níveis normais do antígeno FVIII a despeito de baixos níveis de atividade do FVIII foram estudados. Os anticorpos reagiram exclusivamente com a cadeia leve do FVIII mas não com o domínio C2, e seus epítopos foram por isso atribuídos a regiões dos domínios A3-C1. As cadeias pesada e leve do FVIII foram detectadas em imuno-complexos derivados do plasma extraídos por uso da sefarose deproteína G. Ensaios de ligação direta usando a proteína C ativada anidro (retirada de água) (anidro-APC), um derivativo cataliticamente inativo da proteína C ativada (APC) no qual o sítio ativo de serina é convertido em dehidrolanina, foi usado para examinar a relação entre os complexos imunes e a proteína C ativada. O FVIII intacto, as cadeias leves de 80 quilo-dáltons e de 72 quilo-dáltons do FVIII intacto ligaram-se de maneira dependente da dose à anidro-APC, com valores Kd de 580, 540 e 310 nM, respectivamente, enquanto nenhuma ligação apreciável foi detectada para a cadeia pesada. Os três auto-anticorpos bloquearam a ligação do FVIII com a anidro-APC em aproximadamente 80% e consequentemente inibiram a inativação proteolítica do FVIII induzida pela APC. Esses anticorpos também se ligaram aos peptídeos sintéticos, de HIS 2009 a Val2018, os quais contém o sítio de ligação da APC. O achado sugere que a ligação dos auto-anticorpos de tipo 2, reconhecendo os resíduos de His2009 a Val 2018, protegem o FVIII da proteólise mediada pela APC e devem contribuir para a presença de imuno-complexos do FVIII na circulação.
INTRODUÇÃO
Os inibidores do Fator VIII (FVIII) desenvolvem-se como alo-anticorpos em pacientes com hemofilia A que receberam múltiplas transfusões ou como auto-anticorpos em indivíduos normais hemostaticamente, particularmente pessoas mais velhas, pacientes com doenças auto-imunes, mulheres grávidas, e mulheres no período pós-parto. O surgimento dos auto-anticorpos causa uma redução na atividade do FVIII (FVIII;C) e usualmente resulta em uma tendência ao sangramento severo conhecido como hemofilia A adquirida.
O FVIII é uma glicoproteína co-fator que acelera o complexo tenase (fator IX em complexo com Fator VIII, na via intrínseca) da coagulação sanguínea. O FVIII maduro é sintetizado como uma única cadeia polipeptídica consistindo de 2332 resíduos de aminoácidos, e consiste de três domínios arranjados na seguinte ordem: A1-A2-B-A3-C1-C2. Como resultado do processamento proteolítico, o FVIII circula como uma heterodímero ligado por cátion divalente formado por uma cadeia pesada (HCh) composta dos domínios A1-A2 e B e de uma cadeia leve (LCh) composta pelos domínios A3,C1 e C2. O FVIII é transformado em sua forma ativa, um heterodímero A1/A2/A3/C1/C2, pela proteólise limitada na Arg372, Arg740 e Arg 1689 pela trombina e pelo fator Xa. A clivagem proteolítica adicional da Arg336 pela proteína C ativada (APC) inativa o FVIII. O sítio de ligação para APC foi encontrado dentro dos resíduos His2009 a Val 2018 na cadeia leve. No plasma, o FVIII é ligado não covalentemente ao Fator von Willebrand (vWF), e a formação desse complexo protege o FVIII da inativação pela APC.
Epítopos comuns de auto-anticorpos, bem como alo-anticorpos hemofílicos, têm sido encontrados tanto nos domínios A2 e C2 quanto em ambos. A maioria dos auto-anticorpos, entretanto, parece ser direcionada contra um único domínio mais do que aos dois, com os anticorpos contra o domínio C2 sendo mais comuns do que anticorpos anti-A2. Em contraste, a maioria dos alo-anticorpos hemofílicos parece reconhecer os dois domínios. Os anticorpos mais inibidores com epítopo em C2 inibem a ligação do FVIII a ambos o vWF e aos fosfolipídeos (PL). Entretanto, um novo epítopo dominante nos domínios A3-C1 tem sido indentificado, a alguns anticorpos que reconhecem este epítopo também impedem a associação entre o FVIII e o Fator IXa (FIXa).
Anticorpos inibidores são classificados em dois tipos com base do padrão de inativação do FVIII. Os inibidores de tipo 1 inibem a FVIII:C (atividade de FVIII) completamente, seguindo a segunda ordem cinética, enquanto os inibidores de tipo 2 seguem uma cinética mais complexa e não inibem a FVIII:C completamente. Os alo-anticorpos hemofílicos são caracteristicamente inibidores de tipo 1, enquanto os auto-anticorpos tendem a ser inibidores de tipo 2. Esses diferentes padrões de inativação do FVIII sugerem que inibidores podem reagir com diferentes determinantes antigênicos. Entretanto a razão para a inibição parcial do FVIII pelos anticorpos de tipo 2 permanece obscura, e a possível importância de imuno-complexos em circulação nessas instâncias não foi completamente explorada.
Nesse estudo, nós identificamos imuno-complexos no plasma de 3 pacientes com hemophilia A adquirida. Nós descobrimos que a ligação dos auto-anticorpos protegeu o FVIII da proteólise mediada pela APC e deve ter contribuído para a presença de imuno-complexos circulantes.
RESULTADOS
NÍVEIS DE FVIII E CARACTERIZAÇÃO DE AUTO-ANTICORPOS ANTI-FVIII EM PACIENTES COM HEMOFILIA A ADQUIRIDA.
Os níveis de FVIII e as características básicas do teste de auto-anticorpos estão mostrados na Tabela 1. O tratamento da amostra do plasma de cada paciente com acidificação e ácido n-caprílico resultou na remoção do FVIII da IgG e nenhum FVIII:Ag (antígeno) ou FVIII:C (atividade de FVIII) foram detectados na fração de auto-anticorpo IgG sobrenadante. Por isso, o FVIII não foi detectado na fração da IgG purificada após a cromatografia com a Sefarose de proteína A (a sefarose é o gel e a proteína A fica ligada nele; o anticorpo se liga na proteína A e, dessa forma, é imobilizado para capturar a proteína alvo do teste). Os níveis de FVIII:Ag no plasma dos pacientes estavam dentro da amplitude normal e eram desproporcionalmente mais altos do que os níveis de FVIII:C na presença de anti-FVIII:C. Similarmente os níveis desproporcionais de FVIII:Ag foram observados em misturas de FVIII normal purificado e auto-anticorpos IgG incubados ‘in vitro’ por duas horas a 37oC. Todos os auto-anticorpos foram classificados como inibidores de tipo 2. Em todos os casos a subclasse de anti-corpos IgG ficou restrita a IgG4. Para localizar a reatividade dos anticorpos ao epítopo, inicialmente nós desempenhamos o ensaio de neutralização e ensaios de inibição competitiva usando fragmentos do FVIII. Em todos os casos, a anti-FVIII:C foi neutralizada completamente (>95%) pelos fragmentos de 80 quilodáltons ou de 72 quilodáltons da cadeia leve. A atividade inibidora não foi neutralizada (<5%), entretanto, pela cadeia pesada, domínio A2 ou domínio C2 da cadeia leve. O ensaio de ligação competitiva rendeu resultados similares (Tabela 1). Como os efeitos inibitórios dos fragmentos de 80 quilo-dáltons e de 72 quilo-dáltons da cadeia leve (livres da região ácida) eram similares, nós concluímos que os epítopos dos três anticorpos podem estar no domínio A3-C1 mas não associados à região ácida.
EFEITOS DOS AUTO-ANTICORPOS NO FVIII E NO FIXa OU ASSOCIAÇÃO A PL (Fosfolipídeo)
Estudos prévios mostraram que os anticorpos mais inibidores com epítopos em A3-C1 inibem a ligação do FVIII ao FIXa. Para isso nós avaliamos a capacidade inibidora dos auto-anticorpos estudados na interação do FVIII com o FIXa usando um ELISA específico. Os fragmentos F(ab’)2 [Fab é a porção do anticorpo que se liga ao antígeno] nos três auto-anticorpos inibiram a ligação do FIXa à cadeia leve do FVIII em 92%, 93% e 95% respectivamente. Os valores para essas concentrações que inibem 50% (IC50) foram 0,47, 0,85, e 0,62 μM, respectivamente. A região de ligação do FIXa à cadeia leve foi previamente identificada nos resíduos de lisina 1804 a valina 1819 no domínio A3. Para determinar se os epítopos dos anticorpos estudados contém uma região crítica de ligação a FIXa no domínio A3, nós examinamos a ligação direta a um peptídeo sintético correspondendo ao fragmento da lisina1804 à valina 1819. Padrões de ligação dependente da dose foram observados para os três anticorpos (Figura 1B). O anticorpo de tipo 1, o qual não inibe a ligação do FVIII ao FIXa, não se liga ao peptídeo. A especificidade da ligação foi confirmada pela demonstração de que a ligação foi completamente bloqueada pela pré-incubação com quantidade excessiva de peptídeo solúvel. Em adição, uma versão aleatória do peptídeo lisina 1804 a valina 1819 (VKWFYTKTENPKVFNK) não se ligou a nenhum dos anticorpos.
Nós também testamos os efeitos do peptídeo em ligações do auto-anticorpo à cadeia leve em ensaios competitivos e mostramos que a ligação foi inibida em 73%, 68% e 61% respectivamente, com os três auto-anticorpos. Esses resultados indicam que os auto-anticorpos estudados reconhecem a região correspondente aos resíduos de lisina 1804 a valina 1810 do domínio A3 ou sua região próxima e que eles bloqueiam a interação entre o FVIII e o FIXa. Em contraste, os anticorpos não inibem apreciavelmente a ligação do FVIII a PS ( proteína S) (<5%). O domínio C2 está envolvido na ligação do FVIII à PS, e nossos resultados estão consistentes com a ausência de um inibidor anti-C2.
Associação entre o FVIII e o vWF
Para investigar a associação do FVIII ao vWF no plasma, nós medimos o FVIII:Ag e o vWF:Ag em frações, após a filtração em Sefarose CL-4B. No plasma normal, o pico de eluição (separação por lavagem) de ambos o FVIII e vWF apareceu em volume não nulo. Em contraste, em cada amostra do plasma dos pacientes, a eluição do FVIII foi demorada e o FVIII:Ag não foi detectado em nenhuma das primeiras frações contendo vWF. Esses resultados indicam que o FVIII estava dissociado do vWF no plasma dos pacientes. A figura 2A mostra um padrão representativo da filtração em gel de um experimento usando-se plasma do paciente 2.
A inibição da associação do FVIII com o vWF também foi observada em um ELISA usando F(ab’)2 [Fab é a fração do anticorpo que se liga ao antígeno] de auto-anticorpos junto com o FVIII normal e o vWF. Em todos os casos as preparações de F(ab’)2 inibiram a ligação do FVII ao vWF em mais de 90% (Fig 2B). Como o sítio de ligação do vWF está no domínio C2, nós examinamos o efeito inibidor dos F(ab’)2 destituídos de imunidade após cromatografia de colunas de C2 para excluir completamente a presença de reatividade anti-C2 nos auto-anticorpos estudados. Em todos os casos, os F(ab’) destituídos de imunidade bloquearam a ligação do FVIII normal com o vWF por mais de 50% e de maneira dependente da dose. A Figura 2B mostra um padrão inibidor representativo de um experimento usando-se anticorpo do paciente 2.
Detecção Direta dos Complexos de Anticorpos do FVIII no Plasma
Os imuno-complexos circulantes foram resgatados do plasma por uso da Sefarose de proteína G e identificados com imuno-pigmentação usando-se anticorpo monoclonal anti-A3 NMC-VIII/10 e anticorpo monoclonal anti-A2 JR8 para detectar o FVIII ligado. Nenhuma banda de FVIII foi detectada no plasma de controle de anticorpo tipo 1. Em contraste, nas três amostras de plasma dos pacientes com hemofilia A adquirida, bandas da cadeia leve de 80 quilodáltons foram detectadas usando-se anticorpo monoclonal NMC-VIII/10 (Fig.3A). Essas bandas desapareceram após o tratamento do plasma com trombina, refletindo a conhecida reatividade do NMC-VIII/10 à cadeia leve. Similarmente, as bandas da cadeia pesada alternado de 90 para 210 quilo-dáltons foram detectadas com o anticorpo monoclonal JR8 e, em todos os casos, essas bandas foram abolidas e convertidas em bandas de 44 quilo-dáltons após o tratamento do plasma com trombina (Figura 3B).
Efeitos Inibitórios dos Auto-Anticorpos na Clivagem Proteolítica do FVIII na Arginina 336 pela APC
Como se sabe que o FVIII livre é rapidamente degradado pela APC, nós focalizamos a ação da APC como um mecanismo potencial para a persistência de imuno-complexos nos três pacientes. Para estimar os efeitos quantitativos dos auto-anticorpos na clivagem proteolítica do FVIII pela APC, nós desenvolvemos um ELISA para medir a inativação do FVIII pela APC independentemente de PL (fosfolipídeos). Neste ensaio o anticorpo monoclonal C5, o qual reconhece a região ácida do domínio A1 (epítopo nos resíduos de 351 a 365), foi usado para detecção. Este anticorpo monoclonal perde sua reatividade após a clivagem do FVIII pela APC na Arg336 no domínio A1, e então uma redução na ligação ao C5 reflete a proteólise do FVIII dependente de APC. Na presença do teste de F(ab’)2 do auto-anticorpo, a reatividade do C5 nas três amostras foi reduzida a 38%, 30% e 35%, respectivamente, por 90 minutos após a adição da APC. Em contraste, a reatividade com o anticorpo monoclonal permaneceu mais alta do que 95% na presença dos F(ab’)2 de IgG normais ou anticorpos de tipo 1 de controle. Além disso, ensaios de atividade do FVIII mostraram que o FVIII foi inativado pela APC, com cursos de tempo similares àqueles observados nos ensaios de clivagem do FVIII pela APC.
Ligação Direta do FVIII à anidro-APC imobilizada (anidro significa sem água)
Como os três tipos de auto-anticorpos de tipo 2 impediram a inativação proteolítica do FVIII induzida pela APC, nós consideramos que eles interferem diretamente com a interação entre o FVIII e a APC. Para confirmar esta idéia, nós examinamos inicialmente a ligação direta em um ELISA por uso de uma APC com sítio ativo modificado (anidro-APC), a qual carece de atividade pró-coagulante. A ligação do FVIII foi detectada pelo uso do anticorpo monoclonal NMC-VIII/5 ou JR8, os quais não afetam a reatividade da APC. O FVIII intacto ligou-se de modo dependente da dose à anidro-APC imobilizada e permaneceu detectável por ELISA por ao menos 12 horas. Os fragmentos de 80 quilodáltons e de 72 quilodáltons da cadeia leve também se ligaram à anidro-APC de modo dependente da dose. O valor de afinidade (Kd) para o FVIII intacto foi de 580 nM ; os valores para a cadeia leve de 80 quilo-dáltons e da cadeia leve de 72 quilo-dáltons foram de 540 nM e 310 nM respectivamente. O fragmento da cadeia pesado não se ligou apreciadamente à anidro-APC.
Para avaliar a especificidade de ligação, a anidro-APC solúvel foi pré-incubada com fragmentos de FVIII em fase fluida antes do ELISA. A ligação de todos os fragmentos de FVIII à anidro-APC imobilizada foi inibida mais de 95% por anidro-APC solúvel (1μM), dessa forma confirmando a especificidade do ensaio de ligação direta. Além disso, a ligação direta do FVIII à anidro-APC foi confirmada em um ensaio competitivo usando I-FVIII pré-incubado com fragmentos de FVIII. Os fragmentos de cadeia leve de 80 e 72 quilo-dáltons inibiram a ligação do I-FVIII à anidro-APC em 80 e 90%. Em contraste, a cadeia pesada e o domínio C2 mostraram pouca ou nenhuma inibição, ainda que numa concentração de 1μM.
Efeitos Inibitórios dos Auto-anticorpos na Ligação do FVIII à anidro-APC.
As preparações F(ab’) dos três auto-anticorpos de tipo 2 inibiram a ligação do FVIII com a anidro-APC em 82%, 79% e 77%, respectivamente. Os valores de IC50 foram 0,20, 0,31 e 0,40 μM, respectivamente. Em contraste, os F(ab’) de auto-anticorpos de tipo 1 de controle não inibiram a ligação do FVIII com a anidro-APC. Além disso, todos os auto-anticorpos inibiram a ligação da cadeia leve de 80 quilo-dáltons ou de 72 quilodáltons à anidro-APC de 70 a 90%. Em adição, o preparado de F(ab’) imuno-depletado por uso de colunas de afinidade a C2 inibiram a ligação em extensão similar. Esses resultados sugerem que a inibição da ligação do FVIII à anidro-APC pelos anticorpos estudados levou à restrita inativação proteolítica do FVIII induzida pela APC.
Ligação de Auto-anticorpos a um Peptídeo Sintético Composto dos Resíduos de His2009 a Val 2018.
O sítio de ligação para a APC está nos resíduos de His2009 a Val2018 na cadeia leve. Para confirmar que os auto-anticorpos estudados reconheceram essa região crítica de ligação à APC, nós examinamos a ligação direta a um peptídeo sintético composto desses aminoácidos. Padrões de ligação dependentes da dose foram observados para todos os três anticorpos. Em contraste, o auto-anticorpo de tipo 1, o qual não afeta a interação do FVIII com a APC, não se liga ao peptídeo. Além disso, a versão ampla (aleatória) do peptídeo His2009-Val2018 (VIFLTSMGAH) não se liga a nenhum dos auto-anticorpos. A especificidade para uma ligação direta foi confirmada pela demonstração da inibição completa após a pré-incubação com quantidades excessivas de peptídeo solúvel.
Nós também examinamos o efeito inibidor do peptídeo na ligação do auto-anticorpo à cadeia leve com 80 quilodáltos. O peptídeo inibiu a ligação de todas as preparações de F(ab’)2 de tipo 2 à cadeia leve de 80 quilo-dáltons de modo dependente da dose similar, em 67%,58% e 66%, respectivamente, para os três auto-anticorpos. O peptídeo aleatório (VIFLTSMGAH) não inibiu nenhuma dessas reações de ligação. Como descrito acima, o peptídeo Lis1804-Val2018, correspondente à região de ligação ao fator IXa, inibiu a ligação do anticorpo à cadeia leve. Nós também testamos os efeitos inibidores de misturas de ambos os peptídeos (Lis1804-Val1819 e His2009-Val2018) na ligação do anticorpo à cadeia leve. A inibição foi aumentada para 87%, 80% e 79%, respectivamente, consistente com a presença de ao menos duas populações de anticorpos com epítopos incluindo os resíduos de 2009 a 2018 e de 1084 a 1819.
DISCUSSÃO
Nós encontramos níveis normais de FVIII:Ag circulantes nos três pacientes com hemofilia A adquirida, a despeito da presença dos inibidores e dos níveis muito baixos de FVIII:C. A presença de FVIII:Ag nesses pacientes pareceu se similar àquela observada nos pacientes de hemofilia A positivos para material de reação cruzada (CRM+). Na hemofilia A CRM+, o FVIII funcionante é pensado por estar em diminuição como resultado de mutações pontuais em resíduos cruciais na molécula do FVIII associadas com sua atividade de co-fator, tais como sítios de clivagem pela trombina. Tais mutações não causam usualmente sérias alterações na conformação, entretanto, e a ligação do FVIII:Ag circulante ao vWF está protegida da degradação proteolítica. Pareceu possível que o FVIII endógeno nos pacientes que nós estudamos também tivesse escapado da degradação pela ligação dos anticorpos. Uma remoção mais rápida da circulação pela formação de imuno-complexos poderia ser esperada, entretnato, e as razões para a persistência desses FVIII:A nesses pacientes com hemofilia A CRM+ adquirida incitavam investigações suplementares.
Os anticorpos que nós estudamos mostraram complexos padrões cinéticos de inativação típicos de inibidores de tipo 2 do FVIII. Nós usamos anticorpos anti domínio C2 para medir o FVIII:Ag, e os níveis normais de FVIII:Ag no plasma que nós encontramos sugeriram que os epítopos dos anticorpos eram aceitavelmente diferentes daqueles dos inibidores mais comuns do FVIII. Esses resultados estavam de acordo com a sugestão de Gawryl e Hoyer, que propuseram que diferenças entre os epítopos nos anticorpos de tipo 1 e de tipo 2 poderiam explicar a diferente inativação cinética. Em geral aceita-se que ambos os auto-anticorpos para o FVIII e os alo-anticorpos para o FVIII reconhecem principalmente sequências no domínio C2, e embora todos os auto-anticorpos que nós estudamos reconhecerem exclusivamente a cadeia leve do FVIII, eles não reagem com o domínio C2 no ensaio de neutralização ou nos ensaios de ligação competitiva. Os inibidores do FVIII com epítopos em C2 são conhecidos por inibir a ligação à fosfolipídeo, mas eles não inibem a ligação a FIXa, achados que são consistentes com a falta de reação com o domínio C2.
Nós também preparamos anticorpos altamente específicos por meio da depleção imune nas colunas de afinidade a C2 para excluir a contribuição dos anticorpos anti-C2 completamente. Os resultados obtidos com os anticorpos imuno-depletados foram similares àqueles com anticorpos não depletados. Além disso, nós encontramos que os anticorpos interagiram com dois peptídeos sintéticos, de lis1804 a Val 1819 e de His2009 a Val2018, na ligação direta e experimentos de competição. Ao todo, esses resultados proporcionam evidência persuasiva de que os anticorpos estudados tinham epítopos no domínio A3-C1. O grande efeito inibidor da mistura dos dois peptídeos sintéticos comparada com o efeito de cada um deles sozinho está em consistência com a presença de duas populações diferentes de anticorpos reconhecedores de epítopos de Lis1804 a Val1819 e de His2009 a Val2018. Também é possível que uma população de anticorpos clonalmente relacionada mire em ambos os peptídeos, já que os efeitos inibidores das misturas não foram completos e os dois segmentos da cadeia leve estão em proximidade no arranjo tri-dimensional da cadeia leve.
Os níveis normais de FVIII:Ag encontrados nas amostras de plasma de todos os três pacientes com inibidores de tipo 2 sugeriu a possibilidade de que o FVIII estivesse circulando em imuno-complexo com os anticorpos. Além disso, quando os F(ab’)2 dos anticorpos foram adicionados ao FVIII ‘in vitro’, padrões similares de FVIII:Ag residual foram observados, sugerindo fortemente que os padrões CRM+ foram causados pela ligação do anticorpo e sustentando o conceito de que o FVIII existia nos complexos imunes. O FVIII não foi detectado nas frações IgG preparadas por precipitação com ácido n-caprílico seguida de cromatografia com Sefarose de proteína A. Parece possível que o tratamento com o ácido caprílico, com redução do pH a 4,0, dissociou o FVIII:Ag dos imuno-complexos. Alternativamente, esse procedimento deve ter influenciado mudanças na conformação que alteraram a reatividade antigênica da proteína FVIII irreversivelmente. Em contraste, a presença de complexos imunes contendo FVIII:Ag foi confirmada por experimentos de imuno-pigmentação usando-se extratos do plasma com gotas de Sefarose de proteína G. Ambas as cadeias leve e pesada do FVIII foram detectadas nas três amostras de plasma, indicando que o FVIII intacto e heterodimérico circulava como os imuno-complexos. Além disso, a expectativa é de que os imuno-complexos sejam removidos rapidamente da circulação pelo sistema reticulo-endotelial, e nossos resultados sugerem que o FVIII esteja protegido desse mecanismo de remoção.
No plasma normal, o FVIII está protegido e estabilizado pelo vWF. Por isso nós consideramos inicialmente que o FVIII e o vWF devam ser mais fortemente associados pela formação de imuno-complexos. É pertinente à essa idéia que Saenko e outros relataram que o anticorpo monoclonal anti-FVIII com epítopo compreendendo os resíduos de 2248 a 2285 do domínio C2 um alo-anticorpo inibidor do C2 impediram a dissociação entre o FVIII e o vWF. Os efeitos opostos observados nos três auto-anticorpos que nós estudamos, os quais inibiram a ligação do FVIII ao vWF, foram quase inesperados. Ambas as regiões ácidas no terminal amina do domínio A3 e do domínio C2 foram propostas como regiões de ligação para o vWF, embora os sítios precisos não tenham sido identificados. O efeito inibidor dos anticorpos na ligação do FVIII ao vWF observado neste estudo foi cinsistente com os padrões do plasma de filtração em gel, os quais revelaram a existência de FVIII independente de vWF. Em adição, os efeitos anti-FVIII:C dos auto-anticorpos foram neutralizados completamente pela cadeia leve com 72 quilo-dáltons mas não pelo domínio C2. Os resultados que nós obtivemos não revelam a presença de anticorpos contra os sítios de ligação a vWF nos terminais em amina dos domínios A3 e C2. Além disso, os efeitos inibidores na ligação do FVIII ao vWF permanecem nas frações F(ab’)2 após a depleção imune nas colunas de afinidade a C2. Jacquemin e outros relataram que anticorpos anti-C1 inibiram a ligação do FVIII ao vWF, indicando um possível papel das sequências A3 e C1 na associação entre FVIII e vWF, embora o bloqueio estérico não possa ser excluído.
O sítio de ligação para a APC foi localizado previamente no domínio A3-C1 da cadeia leve do FVIII, e um peptídeo sintético (His2009-Val2018) no domínio A3 foi mostrado por inibir a inativação do FVIII pela APC. Embora os sítios de ligação precisos e os mecanismos de ligação não tenham sido fartamente definidos, a região A3 do peptídeo parece ser provavelmente envolvida direta ou indiretamente na ligação da APC. Uma relação íntima entre a ligação da APC e do vWF é sugerida pelo achado de que o vWF protege o FVII da inativação proteolítica pela APC, e o FVIII, o qual esteve dissociado do vWF em nossos casos, poderia ser esperado por ter sido rapidamente degradado pela APC. Os níveis normais de FVIII:Ag encontrados indicam dessa forma que os anticorpos podem substituir o efeito protetor do vWF efetivamente. Consequentemente, nós tentamos determinar se a formação dos imuno-complexos restringiu a proteólise do FVIII induzida pela APC.
Nós encontramos que, de fato, os três auto-anticorpos diminuíram a inativação proteolítica do FVIII induzida pela APC. A inibição da inativação foi parcial, entretanto, e a repressão de outros processos proteolíticos não pôde ser descontada. No momento, o FIXa Pé conhecido por inativar o FVIII pela clivagem na Arg336 e todos os três auto-anticorpos estudados inibiram a ligação do FIXa ao FVIII. É possível que a inibição da ligação do FVIII ao FIXa tenha contribuído para os mecanismos protetores observados. Tem sido relatado que a remoção do FVIII da circulação envolve proteínas relacionadas com receptores de lipoproteína de baixa densidade (LRP) nas células. Embora as regiões de ligação para LRP tenham sido encontradas em ambos os domínios A2 e C2, nós ao pudemos descartar completamente a possibilidade de que os auto-anticorpos que nós estudamos também protejam o FVIII circulante dos pacientes do sistema de captura mediado por célula pelo bloqueio de uma região ainda desconhecida no domínio A3-C1 para LRP que participe na interação com o LRP. Todavia, nosso estudo demonstrou claramente que os auto-anticorpos de tipo 2 bloquearam a ligação do FVIII com a anidro-APC e ligaram-se a um peptídio sintético (His2009-Val2018) contendo o sítio de ligação a APC. Os achados sugerem que a inibição da clivagem proteolítica pela APC contribui ao menos em parte para a persistência do FVIII:Ag na circulação.
Nosso estudo demonstrou diretamente pela primeira vez a presença de imuno-complexos ao FVIII circulante em pacientes com hemofilia A adquirida. Os auto-anticorpos manifestaram feições fenotípicas características de inibidores de tipo 2, embora os epítopos parecessem localizados nos domínios A3-C1 do FVIII; um achado incomum. Nós também encontramos que a proteção do FVIII à proteólise mediada pela APC pelos auto-anticorpos de tipo 2 ligados ao FVIII deve contribuir para a presença desses imuno-complexos. Sendo a hemofilia adquirida vista como uma doença auto-imune causada por reações simples de antígeno-anticorpo, a demonstração de imuno-complexos circulantes nessas circunstâncias proporciona luz adicional aos aspectos patofisiológicos das desordens auto-imunes.
http://bloodjournal.hematologylibrary.org/cgi/content/full/97/3/669
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
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