sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A Expressão do cDNA do Fator VIII da Coagulação é Reprimida por um Silenciador Transcricional Localizado em sua Região Codificadora.

Por Rob C. Hoeben, Frits J. Fallaux, Steve J. Cramer, Diana J.M. van den Wollenberg, Hans van Ormondt, Ernest Briët e Alex J. van der Eb


PMID: 7727775 - http://bloodjournal.hematologylibrary.org/cgi/reprint/85/9/2447

RESUMO

A hemofilia A é causada por uma deficiência da atividade pró-coagulante do fator VIII (fVIII). O tratamento corrente por infusões freqüentes de concentrados de fVIII derivado do plasma é muito efetiva, mas tem o risco de transmissão de viroses naturais no sangue (vírus da imunodeficiência humana (HIV) e viroses da hepatite). O uso de fVIII derivado de DNA recombinante bem como a terapia genética poderia tornar o tratamento da hemofilia independente dos produtos derivados de sangue. Até agora, a problemática produção da proteína fVIII e os baixos títulos da provisão de fVIII em retrovírus têm impedido testes pré-clínicos de terapia genética para a hemofilia A em muitos modelos animais. Nós iniciamos um estudo dos mecanismos que se opõem à síntese eficiente do fVIII. Nós estabelecemos que o cDNA do fVIII contém sequências que inibem de modo dominante sua própria expressão a partir dos vetores retro-virais e de plasmídios. A inibição não é causada pela instabilidade do mRNA do fVIII, porém, mais do que isso, pela repressão ao nível da transcrição. Um fragmento de 305 pares de bases é identificado como envolvido nisso, mas não é suficiente para a repressão. Esse fragmento não se sobrepõe à região recentemente identificada por Lynch e outros (Hum Gene Ther 4:259, 1993) como um inibidor dominante da acumulação de RNA. A repressão é mediada por uma fator celular (ou fatores) e é independente da orientação do elemento na unidade de transcrição, dando ao elemento repressor a marca de ouro de silenciador transcricional.

INTRODUÇÃO

A hemofilia A é uma desordem de sangramento que afeta aproximadamente 8,5 em 100.000 pessoas e é causada por uma deficiência funcional do fator VIII da coagulação (fVIII). A hemofilia é tratada com infusões regulares (profilática ou à demanda) de concentrados derivados do plasma humano enriquecidos de FVIII. Essa terapia de reposição da proteína tem sido muito efetiva e tem resultado num dramático aumento na expectativa e qualidade de vida. Apesar disso, mesmo o paciente tratado está propenso a hemorragias espontâneas associadas com o risco da danificação crônica da(s) junta(s). Em adição, a terapia com fVIII derivado do plasma tem resultado na transmissão de várias viroses humanas, tais como o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e vírus das hepatites. A terapia ideal, por esse motivo, estaria independente de produtos derivados do plasma. A admissão recente de fVIII derivado de DNA recombinante para o tratamento da hemofilia A é uma grande etapa nessa direção, embora seu uso extensivo seja ainda problemático devido ao seu alto custo, o que resulta da dificuldade da produção. A terapia gênica somática [Terapia em que são introduzidas sequências funcionais de DNA em células que carecem de um gene específico ou que possuem uma versão defeituosa dele. Os vetores incluem vírus de replicação deficiente, lipossomas e plasmídios. Para transferência de material genético por infecção viral (transdução), os vírus são particularmente apropriados como vetores, visto que o RNA, convertido em DNA pela transcriptase reversa, torna-se parte do genoma de uma célula infectada. Stedman. Obs. da trad: Essa RT deve ser bem competente prá não copiar o RNA com os erros que costumam-se atribuir a ela.] é, por isso, aprofundada para uma alternativa bem vinda ao tratamento da hemofilia. A implantação de células autólogas, geneticamente modificadas para produzir fVIII, permitiria uma produção contínua do fVIII no paciente, impedindo, dessa forma, os episódios de sangramento espontâneo.

A terapia gênica somática para a hemofilia A não está necessariamente restrita às células que normalmente produzem o fVIII. Pesquisas têm sido direcionadas à modificação genética de células de tipos de tecido que são mais acessíveis à manipulação, tais como os da pele, endotélio, medula óssea e músculo. No presente, a transferência de genes mediada por retrovírus é o sistema mais testado em testes clínicos de terapia genética. Para acomodar o cDNA do fator VIII para dentro dos vetores retro-virais, nós e outros usamos clones de cDNA encurtados dos quais a região codificadora do domínio B interno, não essencial à atividade da coagulação, foi deletada. Tais vetores foram usados com sucesso para produzir fVIII funcional em células humanas primárias. Entretanto, o título relativamente baixo de retro-viroses de fVIII e produção desapontadoramente pequena da proteína embaraçaram a iniciação de testes pré-clínicos em modelos animais grandes. Vários mecanismos foram identificados que frustram a produção do fVIII. A acumulação do mRNA do fVIII é inibida, dando a entender-se como resultado de algum evento pós-transcricional, o transporte intracelular do fVIII é muito ineficiente, e, uma vez secretada, a proteína é extremamente suscetível à degradação proteolítca e precisa ser estabilizada pela proteína fator von Willebrand (vWf).

Nós relatamos a evidência da presença de um elemento silenciador transcricional dominante no cDNA do fVIII e mapeamos as sequências do cDNA do FVIII envolvidas. A caracterização desse elemento ajudará o desenvolvimento de clones de cDNA de fVIII expressados mais eficientemente. A expressão aumentada não somente avançaria o desenvolvimento dos protocolos da terapia genética mas também poderia aumentar a produção de fVIII derivado de DNA recombinante e, assim, reduziria o alto preço atual desse produto.

RESULTADOS

A proteína fVII consiste de três tipos de domínios estruturais que estão arranjados nessa ordem: A1; A2; B; C1; C2. O único domínio B, delimitado pelos aminoácidos 740 e 1648, é removido durante o processamento proteolítico e de ativação e é dispensável para a atividade da coagulação in vivo e in vitro. Para acomodar o cDNA do fVIII dentro de um vetor retroviral sem exceder a capacidade de empacotamento do vetor, nós usamos o cDNA do fVIII do qual nós retiramos virtualmente todos códons para o domínio B. Nós mostramos previamente que o fVIII com domínio B retirado resultante é plenamente funcional. O vetor usado conta com um splicing diferencial para a expressão do cDNA do fVIII e do gene neoR (gene resistente a neomicina, um antibiótico). Os títulos dos vetores de fVIII [G418 é um antibiótico similar à gentamicina B, usado para selecionar células geneticamente engenheiradas em laboratório, pois o neo gene Tn5, codificador da aminoglicosídeo – 3’ – fosfotransferase, confere resistência ao G418, que, por sua vez, inibe a síntese de polipeptídeos. http://en.wikipedia.org/wiki/G418
Quando os pesquisadores querem focalizar um gene de interesse, o uso de genes resistentes a antibiótico é extremamente efetivo. Genes resistentes a antibiótico são usados como marcadores para identificar a transferência de material genético (DNA) de um organismo para o outro. Um gene resistente a antibiótico, quando usado como marcador, produz uma proteína que protege plantas e organismos de um antibiótico específico. Quando as células transformadas (com o gene resistente) e células não transformadas são expostas ao antibiótico, tais como G-418, somente as células transformadas sobrevivem e crescem. Os pesquisadores podem, então confiar em que as células sobreviventes contém o gene de seu interesse principal. http://www.g418.com
/] , como quantidade da proteína fVIII secretada. Por exemplo, a quantidade da proteína fVIII é ao menos 200 vezes menor em bases molares do que a do fator IX de células infectadas com um vetor retro-viral carregando o cDNA do fator IX. Nossa tentativa em aumentar o título com uso de outros vetores e por inclusão de um sinal estendendo o empacotamento dentro do vetor M5neo não proporcionou um vírus produtor de altos títulos. Em contraste, os vetores perdem invariavelmente (partes de) cDNA do fVIII.

Sequências no cDNA do fVIII reprimem a acumulação de seu RNA. Foi noticiado que sequências no cDNA do fVIII impedem a acumulação do mRNA do fVIII, supostamente pela desestabilização dos fVIII transcritos. Isso poderia explicar ambas a baixa produção do vírus pelas células de empacotamento e a baixa quantidade da proteína fVIII secretada pelas células infectadas pelo vírus. Uma análise de Northern de uma população G418 de fibroblastos Rat2 que contêm o vetor M5F8dB2.6 confirmou a pouca abundância do RNA específico do vetor em comparação com células infectadas com o vetor parental M5neo, no qual ambos os mRNAs submetidos e não submetidos a splicing são distintos. Isso não é devido à inserção do cDNA do FVIII de tamanho grande, como é mostrado pelas quantidades do cDNA de EGRr (receptor de fator de crescimento da epiderme) de 8,3 a 7,8 quilobases em células que abrigam um vetor que carrega o cDNA do gene EGFr humano, o qual é similar em tamanho ao cDNA do fVIII com o domínio B retirado. A ausência de recombinações no vetor MrF8dB2.6 foi confirmada por um ensaio de Southern blot (para DNA) no DNA extraído da população de células infectadas Rat2. A integridade do vetor foi evidenciada mais ainda pelo surgimento do RNA do fVIII de tamanho esperado após o tratamento das células com butirato (sal ou éster de ácido butírico; tem efeito estimulador na expressão do cDNA do FVIII – PMID 8754827) de sódio. A repressão da acumulação do mRNA do fVIII não ocorreu somente nas células Rat2, mas foi encontrada em todas as linhas celulares testadas; ou seja, células Swiss3T3, Psi-2, células de endotelioma murino e fibroblastos da pele humana.

O mRNA do fator VIII é estável nas células de empacotamento. Para estudar a estabilidade dos transcritos do fVIII em linhas celulares de empacotamento Psi:M5F8dB2.6, a transcrição foi bloqueada com ActD, um inibidor da RNA polimerase II (polimerase que transcreve em RNA). Em vários momentos, o RNA foi extraído das células em cultura e analisado por pigmentação de Northern (para RNA). Nenhum decréscimo significativo foi observado em mais de seis horas após a adição de ActD, sugerindo que os transcritos do fVIII são bastante estáveis nessas células.

A re-hibridização desse material de análise (do blot, no texto original) com uma prova específica de c-myc (o gene MYC ativa a telomerase induzindo a expressão de sua sub-unidade catalítica transcriptase reversa da telomerase, TERT; e também se liga ao fator B de transcrição da polimerase III, enzima que transcreve em RNA; omim 190080) mostrou a rápida queda esperada dos transcritos c-myc (meia-vida de aproximadamente 15 minutos), confirmando a efetividade do bloqueio por ActD. A quantidade de RNA carregado foi verificada provando-se novamente o material (o blot) com uma prova específica de GAPDH (gene co-ativador de OCT1 na fase S; omim 138400), um mRNA conhecido por ter uma longa meia-vida. A partir desses dados nós concluímos que o estado constante do mRNA do fVIII é estável (tempo médio maior que seis horas). O fato de que não só a acumulação do mensageiro não submetido a splicing é inibida em células infectadas com M5F8dB2.6, mas também naquelas em que o mensageiro com neoR submetido a splicing foi inibido, que não contém nenhum fVIII, sugere que a repressão ocorre antes do processo de splicing, possivelmente ao nível da transcrição. As viroses fVIII produzidas pela linha de células Psi2:M5f8dB2.6 têm sido usadas para gerar linhas celulares de roedores produtoras de fVIII descritas aqui, excluindo a possibilidade de o vetor nessa linha celular conter mutações de estabilização do RNA.

A Expressão é reprimida ao nível da transcrição. Uma análise de busca nuclear foi desempenhada para medir a taxa de transcrição do pró-vírus de fVIII integrado em ambas as células G418Rat2:M5F8dB2.6 e G418 Rat2:M5neo. Como mostrado na figura 3 a prova neoR detecta um sinal somente no RNA isolado de células infectadas com M5neo. Nas células Rat2:M5F8B2.6, nem a prova neoR, nem a prova específica do fVIII mostra qualquer transcrição do pró-vírus. A ausência de sinal com prova anti-senso de neoR confirma a especificidade da hibridização. A equidade da eficiência do etiquetamento foi verificada por uma prova específica para os transcritos de GAPDH celular. Assim, a inserção do cDNA do fVIII para dentro de vetores M5neo reduz a transcrição do pró-vírus integrado a níveis muito baixos.

Fragmentos de cDNA do Fator VIII Reprimem a Expressão de um Gene Heterólogo. Para estudar se sequências do cDNA do fVIII podem reprimir a expressão de um gene heterólogo, fragmentos de cDNA de fVIII foram clonados no vetor de expressão pMuLV-CAT. Nesse vetor, a expressão do gene repórter CAT é dirigida pelo LTR do Mo-MuLV. Para imitar ao máximo a configuração natural dos elementos repressores, fragmentos do cDNA do fVIII foram introduzidos dentro do sítio único de Hpa1 [ obs.: o sítio para a endonuclease de restrição Hpa I é GTCAAC, que por mutação para GTTAAC passou a apresentar seis padrões diferentes. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC348856/] de expressão do plasmídio [obs.: o sítio está na fita de DNA e serve para integração do vírus carregando os genes de interesse]. Este sítio está localizado dentro da unidade de transcrição, porém, na extremidade 3’[no final] da sequência aberta de leitura codificadora do gene CAT, para não influenciar a tradução do mensageiro (mRNA) de CAT. Dois fragmentos foram testados: SX, compreendendo os domínios A1 e A2 (cadeia pesada), e o XS, que codifica os domínios A3, C1 e C2 (cadeia leve). Inicialmente, ambos os fragmentos foram testados na orientação que tinham no vetor retro-viral. A inserção do fragmentos XS não causou uma atividade de CAT mais baixa do que o vetor parental pMuLV-CAT, enquanto a inserção do fragmento SX diminuiu dramaticamente a atividade de CAT. Uma redução similar da atividade de CAT foi observada quando o fragmento SX foi testado na orientação reversa. Em culturas celulares poli-clonais transfectadas também, os fragmentos SX reprimiram a expressão do gene repórter CAT dirigidos pelo vetor MuLV. Análises de Northern blot do RNA extraído dessas culturas mostraram uma quantidade muito reduzida de mRNA de CAT em células carregando o plasmídio pMuLV-CAT/SX, o que confirma que a reduzida atividade de CAT na população de células contendo o fragmento SX está refletindo a reduzida quantidade do mRNA de CAT. A partir desses dados, nós concluímos que o elemento repressor que reside no cDNA do fVIII inibe a expressão dos genes heterólogos integrados bem como dos genes heterólogos não integrados (que não entraram na fita de DNA, mas estão no vírus) e que essa repressão é independente da orientação da inserção do cDNA do fVIII.

Para mapear as sequências responsáveis por essa repressão em mais detalhes, vários sub-fragmentos foram testados por sua capacidade de reduzir a atividade de CAT. O fragmento AH (Acc I-HindIII, do nucleotídeo 1033 ao 2277) foi de longe um repressor mais potente do que o fragmento SA (Sal I-Xho I, de 30 a 2294) . O menor fragmento que poderia promover a repressão seria o fragmento PP (Pvu II-Pvu II, do nucleotídeo 1038 ao 1850). Fragmentos menores derivados do fragmento AH (Acc, I-HindIII, do nucleotídeio 1033 a 2277), por exemplo, HB (HindIII-Bgl II, do nucleotídeo 1019 ao 1680), BH (Bgl II-HindIII, do nucleotídeo 1680 ao 2277), XmB (XmnI-Bgl II, de 1375 ao 1680) e XmBm (Xmn I-BamHI, do 1375 ao 1869) não diminuem a atividade de CAT. Entretanto, quando o fragmento de 305 pares de base do fragmento XmB, o qual por si só não reprime a expressão, foi retirado do fragmento AH, o clone resultante AHdXmB ficou incapaz de reprimir a expressão. A retirada do fragmento XmB do fragmento SX, também, rompeu o repressor, como atestado pela queda na atividade de CAT após a expressão transitória e em populações de células poli-clonais estáveis transfectadas. A partir desses dados, nós concluímos que sequências no fragmento XmB de 305 pares de bases são parte do elemento repressor, mas não são o suficiente para mediar a repressão.

A Repressão Pode ser Aliviada por DNA Competidor. Num experimento de competição, as repressões induzidas pelos fragmentos SX e SXdXmB (Sal I- Xmn I, do nucleotídeo 30 ao 1375 em fusão com Bgl II-Xho I, do nucleotídeo 1680 ao 2294) foram comparadas em ausência e em presença de um plasmídio competidor em 40 vezes de excesso, o PUC-AH. O fragmento SX reprime a expressão do gene CAT, em contraste à construção SXdXmB. Entretanto, embora a co-transfecção da construção PUC-AH não aumente a expressão do gene repórter com o fragmento SXdXmB inserido, a repressão induzida pelo fragmento SX foi aliviada, e o nível de CAT ficou similar ao do fragmento SXdXmB. Esses dados indicam que a repressão não é causada por propriedades intrínsecas do DNA (isto é, uma conformação desfavorável), mas que a repressão é mediada por um fator celular (ou fatores) que podem ser titulados fora.

Obs.: Enzimas de Restrição Que Cortam a Fita Dupla de DNA e Respectivos Sítios de Atuação
Acc I : GTATAC ou GTCGAC (?);
Bgl II : AGATCT;
Xho I : CTCGAG;
Sal I: GTCGAC;
Spe I ACTAGT;
Xmn I: GAANNNNTTC (produz final cego);
BamH I: GGATCC;
Hind II: 5’ AAGCTT 3’.

Fonte:
PMID: 7727775 - http://bloodjournal.hematologylibrary.org/cgi/reprint/85/9/2447

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