segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Ativação Simultânea do Complemento e da Coagulação pela Protease de Serina 2 Associada à MBL (MASP2)

Anders Krarup,1* Russell Wallis,1,2 Julia S. Presanis,1 Péter Gál,3 and Robert B. Sim1


RESUMO

O sistema complemento é um importante mecanismo imune mediador do reconhecimento e eliminação de corpos estranhos. A via da lectina é uma das três vias pelas quais o sistema complemento é ativado. A protease característica dessa via é a protease de serina 2 (MASP2) associada a lectina ligante de manose (MBL), a qual cliva as proteínas C2 e C4 do complemento. Nós apresentamos um papel novo e alternativo da MASP2 no sistema imune inato. Nós mostramos que a MASP2 é capaz de promover a reviravolta do fibrinogênio pela clivagem da protrombina, gerando trombina. Usando uma forma ativa truncada da MASP2 bem como a sua lente total em complexo com a MBL, nós mostramos que a trombina gerada é ativa e pode clivar ambos o fator XIII e o fibrinogênio, formando uma ligação cruzada da fibrina. Para explorar a significância biológica desses achados, nós mostramos que a fibrina estava covalentemente ligada em uma superfície bacteriana à qual ligavam-se complexos MBL/MASP2. Esses achados sugerem que, como foi proposto para os invertebrados, a coagulação limitada pode contribuir para a resposta imune inata.

INTRODUÇÃO

O sistema imune é composto de muitos mecanismos de reconhecimento e efetores cujo papel primário é eliminar patógenos invasores, células hospedeiras alteradas e macromoléculas. O sistema complemento é um de tais sistemas, e é composto principalmente de proteínas do plasma das quais várias circulam com proteínas de serina zimógenas. Essas, quando ativadas, catalisam eventos a jusante do (subsquentes ao) sistema complemento resultando em uma resposta inflamatória, lise direta e opsonização de microorganismos. O sistema complemento pode se tornar ativado por qualquer das três vias: a via clássica depende da ligação do C1q, o que capacita a protease zimogênica C1r a ativar-se a si mesma e subsequentemente ativar outra protease zimogênica C1s. A C1s ativa então cliva C4 e C2 para disparar a reação seguinte. As outras duas vias de ativação são iniciadas pela hidrólise espontânea do C3 (via alternativa) ou na ligação da lectina ligante de manose (MBL) ou de ficolinas aos açúcares ou grupos acetilados em N na superfície dos microorganismos (via da lectina). Nem a MBL nem a ficolina possuem atividade enzimática por si mesmas, mas dependem das proteases de serina associadas a MBL (MASPs) 1, 2 e 3, com as quais elas circulam em complexo. Quando a MBL, a L-ficolina ou a H-ficolina se liga à superfície da bactéria, as MASPs, as quais são homólogas do C1r e do C1s, tornam-se ativadas. Das três MASPs somente a MASP2 é capaz de ativar o complemento pela clivagem do C4 e do C2.


O sistema de coagulação é outra cascata de proteínas da qual a maioria dos componentes circulam no plasma. O principal papel do sistema de coagulação não é a neutralização dos patógenos invasores, mas a manutenção da integridade do sistema circulatório no momento de uma lesão. O sistema de coagulação pode ser ativado por duas vias, a intrínseca e a extrínseca, ambas as quais levam à formação do complexo protrombinase nas membranas fosfolípides. O complexo protrombinase é formado com o fator Va e o fator Xa (o fator Va se liga à membrana fosfolípide e a ele o FXa se associa para clivar a protrombina, na presença de íons de cálcio) e gera trombina ativa pela dupla clivagem da protrombina mediada pelo fator Xa. A geração da trombina é considerada a etapa crítica na cascata da coagulação pois a trombina media as funções que levam à formação dos coágulos pela clivagem do fibrinogênio e do fator XIII e a ativação das plaquetas.




Os sistemas do complemento e da coagulação têm muitas similaridades pois ambas as cascatas utilizam como catalíticas muitas proteases de serina com múltiplos domínios com estrutura de domínios similares. A similaridades desses dois sistemas no nível estrutural pode ser demonstrada por análises filogenéticas nas quais as proteases das vias clássica e da lectina tornam-se agrupadas conjuntamente com as enzimas da coagulação. Ambos os sistemas de cascata são firmemente regulados por meio do que as enzimas ativas têm uma curta meia-vida mas isso é superado pela amplificação do produto final que é característico das cascatas protéicas. As proteases de serina do sistema de coagulação são reguladas pelas serpinas e secundariamente pela alfa-2-macroglobulina (A2M). As proteases C1r, C1s, MASP1 e MASP2 também são reguladas por uma serpina (inibidor de C1) mas a regulação da MASP1 e da MASP2 é mais similar àquela das proteases da coagulação, já que ambas são inibidas pela anti-trombina III e pela alfa-2-macroglobulina.


As similaridades sugerem geralmente que as proteases para as duas cascatas de proteínas foram originadas das mesmas proteases ancestrais. Aqui nós investigamos a possibilidade de uma ligação no nível funcional entre os dois sistemas já que nós demonstramos que a MASP2 é capaz de ativar a protrombina de maneira similar ao fator Xa. Além disso a trombina gerada pela MASP2 é capaz de clivar substratos sintéticos de tri-peptídicos e ativar dois dos principais substratos protéicos: o fibrinogênio e o fator XIII. A atividade foi identificável ambas na fase de fluido por uso de uma MASP2 construída truncada (trMASP2) e pela rMASP2 com a lente total ligada à MBL. Esses achados indicam um possível papel fisiológico para o fibrinogênio no sistema imune inato dos vertebrados, possivelmente análogo aos papéis sugeridos para a coagulação dos invertebrados contra a infecção.

RESULTADOS

Quando a ativação da protrombina pelo fator Xa é analisada por SDS-PAGE um padrão complexo de fragmentação é observado, pois ambos o fator Xa e a trombina gerada podem cada um clivar a protrombina duas vezes. Uma visão geral esquemática dos fragmentos possíveis da protrombina gerados pelo fator Xa e pela trombina está apresentada na figura 1A. Na figura 1B, nós mostramos análises de SDS-PAGE da fragmentação da protrombina quando incubada com o fator Xa ou trMASP2. A identificação das bandas foi concluída pelo seqüenciamento no terminal N e pela comparação das massas moleculares observadas determinadas por sua migração nos géis de SDS-PAGE às massas calculadas com base nas sequências primárias.

O fragmento 1,2 e a pré-trombina 2 são vistos em ambas as pistas de gel, indicando que o fator Xa e a trMASP2 clivam no sítio do FXa1 (Arg275-Thr274). Isso foi confirmado pelo seqüenciamento do fragmento da pré-trombina 2 no terminal N formado pela trMASP2 (figura 1B). A segunda clivagem pelo fator Xa (fXa2, Arg322-Ile323) não é visível com ambos o fator Xa ou trMASP2 (fig.1B) talvez devido aos corindos (óxido de alumínio)(ligação?) da cadeia pesada com o fragmento 1,2, e às cadeias leves pequenas demais para serem observadas no gel. Entretanto a clivagem fXa2 (segunda clivagem pelo FXa), a qual gera a trombina ativa, precisa ocorrer com ambos o fator Xa e a trMASP2, já que os produtos de ambas as clivagens mediadas pela trombina *1 e *2 são vistos na figura1B. Esses produtos são (*1) pré-trombina 1 (fragmento 1 migrou fora do gel) e (*2) os framentos de 31,5 e 33,8 quilo-dáltons. O terminal N de todos os fragmentos visíveis na figura 1B foram confirmados (fig..1C) exceto para o fragmento de 33,8 quilo-dáltons na faixa da trMASP2 (quantidade muito baixa). Nós não fomos capazes de detectar todos os produtos mas isso é devido à falta de sensitividade de nosso sistema de detecção mais do que ao fato de não terem sido gerados. A ativação da protrombina é uma especificidade proteolítica muito rara. Além da triptase, o banco de dados de enzimas BRENDA (HTTP://www.brenda.uni-koeln.de/) não registra outra protease de mamíferos que faça isso. Em contraste à trMASP2, a rMASP1 truncada (trMASP1) não cliva a protrombina. [Obs.: http://en.wikipedia.org/wiki/Tryptase A Triptase é a protease de serina derivada de grânulo secretor mais abundante contida nos mastócitos (células do tecido conjuntivo que contém grânulos secretores de heparina, histamina e fator quimiotático de eosinífilos; estas células estão envolvidas em reações de hipersensibilidade. Stedman) e que tem sido usada recentemente como um marcador da ativação dos mastócitos. Ela está envolvida na resposta alérgiva e é suspeita de agir como um mitógeno para linhagens de fibroblastos. Níveis elevados de triptase no soro ocorrem ambas as reações anafiláticas (que manifesta muita sensibilidade a proteína não-própria) e anafilactóides (semelhante à anafilaxia), mas um teste negativo não exclui a anafilaxia (sensibilidade sistêmica ou generalizada induzida)].

Para investigar em que medida a geração da trombina prossegue nós incubamos o fator Xa e a trMASP2 com a protrombina, então medimos a atividade da trombina usando um substrato tri-peptídico VPR-AMC que é seletivo para a trombina. Os resultados estão expostos na figura 2. O Fator Xa sozinho, a trMASP2 sozinha ou a protrombina sozinha muda a função do substrato em uma extensão insignificante. Entretanto, quando o fator Xa ou a trMASP2 são incubados com a protrombina, há um aumento na reviravolta do substrato, consistente com a geração de trombina. A geração da trombina foi confirmada além disso pelo estudo da reviravolta do fibrinogênio (veja a seguir). No experimento mostrado na figura 2 a concentração de protrombina é 100μg/ml (aproximada da fisiológica). A trMASP2 (100 ng) gera neste ponto 20% de atividade de trombina tanto quanto 25 ng de fator Xa. Por isso, nós consideramos que 25 ng de trMASP2 geraria somente de 4 a 5% de trombina apesar dos 25 ng de fator Xa. Na figura 2, as curvas não são lineares, conforme mais trombina vai sendo gerada com o tempo. Isso leva à ascensão da curvatura. Nos momentos finais a depleção do substrato e a instabilidade das três proteases levam à taxas mais baixas de reviravolta do substrato. A reação observada mede somente a produção de trombina ativa por duas clivagens da protrombina pelo fator Xa ou pela trMASP2. Entretanto a reação em competição, duas clivagens pela trombina para produzir produtos inativos, não foi medida diretamente mas contribui para a depleção do substrato.

Entretanto, o fator Xa, sozinho, não é o principal ativador fisiológico da protrombina. Isso é concluído pelo complexo protrombinase fator Xa-fator Va o qual é o principal ativador durante a coagulação.

Os resultados na figura 2 foram obtidos com uma versão truncada da enzima MASP2 produzida em E.coli, a qual carece dos domínios CUB1-EGF-CUB2 que interagem com a MBL. Nós quisemos investigar se a lente completa da MASP2 em complexo com a MBL também é capaz de ativar a protrombina quando ligada à superfície. Para fazer isso nós usamos a rMBL-A do rato e a rMASP2K do rato usando manose como um ativador de superfície. Na placa me micro-título (micro-padrão) cobertas com manose porções de complexos MBL/MASP2K foram ligadas e incubadas com protrombina e VPR-AMC ou fibrinogênio. Os resultados desses experimentos podem ser vistos nas figuras 3A e B, respectivamente. A figura 3A mostra que somente os complexos MBL/MASP2K ligaram-se na presença de íons Ca2+ e incubados com protrombina geraram trombina ativa. Todos os controles negativos, isto é, MBL/MASP2K incubados com manose na presença de EDTA (onde os complexos não se formam e a MASP2K não é ativada), os controles sem MASP2K ou sem protrombina mostram nenhuma capacidade de clivar o substrato em nível de segundo plano. (figura 3A colunas 2,3 e 4).


A figura 3B mostra como a densidade da solução de fibrinogênio se altera devido à polimerização da fibrina. Uma série de diluições de MBL/MASP2K foi ligada em reservatórios cobertos de manose e subsequentemente incubados com protrombina e fibrinogênio. Como pode ser observado, as concentrações mais altas de rMBL/rMASP2K levaram à polimerização e aumento da dispersão luminosa a 405 nm mostrando o processo de polimerização. A reação não atingiu seu ponto final já que a densidade é de somente 35 a 40% do valor visto quando a trombina ativa foi diretamente adicionada ao fibrinogênio. A Figura 3C mostra análises de SDS-PAGE do fibrinogênio a seguir a incubação nos reservatórios recobertos de manose com rMBL/rMASP2K. O fibrinogênio é um hexâmero composto de duas cadeias alfa, duas beta e duas gama. Na ativação pela trombina as cadeias alfa e beta são clivadas e os fibrinopeptídeos A e B são liberados. No mesmo momento a trombina cliva o fator XIII gerando fator XIIIa o qual é uma transglutaminase capaz de estabilização dos coágulos de fibrina por ligação covalente de duas cadeias gama ou múltiplas cadeias alfa formando a gama2 e o oligêmero alfa n. Não foi necessário adicionar nenhum fator XIII aos experimentos já que ele é encontrado em todas as preparações de fibrinogênio como um contaminante e sua atividade de transglutaminase, isto é, a geração da gama 2 e do oligômero de múltipla alfa n, foi usada como um marcador para os primeiros estágios da formação do coágulo. A clivagem das cadeias alfa e beta e a formação da gama2 e da alfa n ocorre claramente na faixa 1 que representa os complexos MBL/MASP2K ligados na presença de íons Ca2+ e incubados com protrombina e fibrinogênio. Nas faixas de controle onde os complexos MBL/MASP2K foram incubados na presença de EDTA, ou na ausência de MASP2K ou protrombina (faixas 2, 3 e 4) nenhuma clivagem do fibrinogênio ou ligação cruzada pôde ser observada. Esses experimentos confirmam qua a MBL/MASP2K pode gerar trombina funcional, detectada pela ativação do fator XIII e do fibrinogênio os quais são as principais proteínas substrato da trombina.


A especificidade da ativação da trombina pela MASP2 foi examinada de duas maneiras. Primeiramente homólogos de MASP2 chamados C1r e C1s (e trMASP1, veja a seguir) foram testados por sua capacidade de gerar trombina. Depois, a trMASP2 foi incubada com outras proteases de pró-enzimas para ver se as proteases ativas eram geradas. Nós incubamos a protrombina sozinha ou com C1s ativado ou uma mistura de C1r e C1s ativados. O fator Xa foi o controle positivo. A ativação da protrombina foi observada pela análise dos padrões de clivagem no SDS-PAGE redutor. Como pode ser visto na figura 4 o C1r e o C1s não clivam a protrombina. Isso mostra que a habilidade da MASP2 para ativar a protrombina é relativamente específica. Experimentos adicionais desenvolvidos com outras proteases de pró-enzimas do plasma, pré-calicreína e plasminogênio mostraram que nem a trMASP1 nem a trMASP2 clivam significativamente a pré-calicreína durante 1 ou 16 horas de incubação. Nenhuma protease cliva o plasminogênio para formar as cadeias pesada e leve da plasmina em 16 horas a 37oC, como avaliado por análises de SDS-PAGE. A incubação não leva à geração de proteases ativas dentro de 2 horas a 37oC quando investigado por uso de substratos tripeptídicos de plasmina ou calicreína. Esses resultados confirmam que a ativação da protrombina mediada pela MASP2 é relativamente específica e é única para as enzimas que clivam C4 e C2.

Já que a MASP2 circula em complexo com a MBL e as ficolinas e estas têm de se ligar à superfície de alvos (ex. bactéria) antes da MASP2 se tornar ativada, é de interesse ver se a ligação dos complexos MBL/MASP2K resultaria na deposição de fibrina na superfície sobre a qual o complexo está ligado. Para investigar isso, dois experimentos foram designados. No primeiro (figura 5A) nós incubamos complexos MBL/MASP2K em uma placa revestida de manose/fibrinogênio e medimos a deposição de 125I-fibrinogênio nos reservatórios após a ativação da protrombina. A coluna positivamente etiquetada é a amostra na qual os complexos MBL/MASP2K foram ligados na presença de íons Ca2+ e subsequentemente incubados com 125I-fibrinogênio e protrombina. Os dois controles remanescentes estão tanto sem MASP2K ou sem protrombina. Como pode ser observado, a ativação da protrombina pela MASP2K leva à deposição de 125I-fibrina nos reservatórios mostrando que superfícies alvo de fato deixam a fibrina depositada. Nesse tipo de experimento nenhuma ligação de 125I-fibrina foi encontrada na placa que foi recoberta apenas com manose. Entretanto, se uma mistura de manose e de uma proteína (fibrinogênio, caseína beta ou A2M clivada por tiolester) fosse usada, a 125I-fibrina era ligada. Isso é consistente com a necessidade das cadeias laterais de glutamina ou lisina na superfície do fator XIIIa poderem mediar a ligação covalente.

Para investigar mais além a deposição de fibrina nós derivatizamos gotas com uma linhagem de S. aureus não encapsulada (Wood), previamente mostrada por ser capaz de ligação pela MBL, para avaliar se a deposição de fibrina também ajuda em microorganismos. Os complexos MBL/MASP2K foram então ligados a essas gotas e adicionados a protrombina e o 125I-fibrinogênio. Após a incubação, as gotas foram lavadas e a radioatividade associada foi medida. As colunas 2 e 5 (figura 5B) mostram que somente as gotas incubadas com complexos MBL/MASP2K tinham 125I-fibrina depositada na superfície. Entretanto, na presença de iodoacetamina (IAM), a fibrina depositada pôde ser removida por incubação com uréia (Coluna 5) enquanto isso não foi possível na amostra sem IAM (Coluna 2). Isso é porque a IAM é um inibidor do fator XIIIa, o qual é responsável pela ligação cruzada das faixas de fibrina covalentemente. Por isso a fibrina depositada na amostra com IAM não está covalentemente ligada em cruzamento e torna-se rompida no tratamento com uréia. Na amostra sem IAM o fator XIIIa faz a ligação covalentemente cruzada da fibrina, provavelmente a proteínas da superfície da bactéria reforçando o complexo fibrina/bactéria. A incubação temporalmente prolongada foi necessária já que a concentração usada de fibrinogênio era aproximadamente 100 vezes mais baixa do que sob condições fisiológicas para impedir a formação de um coágulo sólido.

DISCUSSÃO

O papel do fibrinogênio na defesa imune humana não foi bem explorado mas em alguns invertebrados inferiores como o caranguejo ferradura Tachypleus tridentatus (http://en.wikipedia.org/wiki/Tachypleus_tridentatus http://en.wikipedia.org/wiki/Horseshoe_crab) um análogo funcional do fibrinogênio, o coagulogênio, é considerado como um contribuidor da defesa imune. No T. tridentatus, os fatores de coagulação são encontrados em grânulos dos hemócitos dos quais os conteúdos são liberados na detecção de LPS ou peptidioglicano. A secreção leva, por duas vias, dependendo da substância encontrada, à clivagem e ativação da enzima pró-coagulante gerando a enzima coagulante. A enzima coagulante cliva o coagulogênio, o qual, depois disso, pode polimerizar-se formando um gel insolúvel agregando os micro-organismos invasores.


Existem muitas similaridades funcionais entre o sistema de coagulação do caranguejo ferradura e o dos mamíferos já que ambos são regulados por inibidores de protease de tipo serpina, sustentam-se em eventos em cascata para montar uma resposta mais poderosa e são ativados principalmente no sítio de danificação do tecido. Adicionalmente as proteínas envolvidas na ativação da coagulação no T. tridentatus tais como fator B (a protease que ativa a enzima pró-coagulante se o lipopolissacarídeo (LPS) estiver presente), enzima pró-coagulante e coagulogênio parecem ser análogos funcionais do fator X, da protrombina e do fibrinogênio, respectivamente, a despeito das diferenças no nível estrutural. O que estabelece distâncias entre as cascatas do invertebrado e dos mamíferos é o conhecimento de seus papéis enquanto mecanismos de defesa imune. Como mencionado acima o T.tridentatus usa a coagulação para agregar patógenos bem como na manutenção da hemostasia. Nos mamíferos o sistema de coagulação é principalmente considerado por estar envolvido na manutenção da hemostasia mas relatos recentes também indicam que a ativação dos produtos fibrin(ogênio) e fibrinogênio também deve atuar numa parte importante na mediação da remoção dos patógenos.


Na ativação do fibrinogênio os fibrino-peptídeos A e B são liberados e esses são fatores quimiotáticos capazes de recrutar neutrófilos, macrófagos e fibroblastos ao sítio de reviravolta do fibrinogênio. Também a deposição de fibrin(ogênio) em si mesma tem sido investigada em efeitos diretos na neutralização do patógeno. O papel do fibrinogênio tem sido investigado em estudos ‘in vivo’ usando-se camundongos deficientes ou com fibrinogênio modificado, onde a ligação do receptor do complemento 3 ao fibrino(gênio) está impedida. Esses estudos mostraram que o firono(gênio) reprime o crescimento da Listéria monocitogenes em tecidos hepáticos infectados e auxilia a remoção da bactéria S.aureus da cavidade peitoniana. O fibrino(gênio) também tem sido mostrado por aumentar a aderência de fagócitos quando biomateriais tenham sido usados como modelos de corpos estranhos. Essas observações indicam que o fibrino(gênio) atua num papel na neutralização de patógenos invasores já que media ambas a migração e adesão de fagócitos e em alguns casos, dependendo do patógeno, é capaz de limitar o crescimento assim como de causar sua agregação.



O que nós relatamos aqui é uma ligação entre o sistema complemento e o sistema de coagulação. Como o resultado mostra a MASP2 é capaz de gerar trombina através da protrombina. Essa ativação é específica pois os homólogos de MASP2 não ativam a protrombina e que a MASP2 não ativa outras pró-enzimas proteases. A ativação ocorre em níveis fisiológicos de protrombina. A ativação potencial da trombina é bastante baixa (aproximadamente 4 a 5% da taxa observada com fator Xa) e presumivelmente mais baixa do que poderia ser observada no complexo protrombinase. Já que o complexo protrombinase é gerado principalmente em membranas fosfolípides no sítio de danificação do tecido uma geração rápida e local da trombina é necessária para impedir a perda de sangue. No caso da MASP2 ela ativará a protrombina perto de alguma superfície onde a MBL ou as ficolinas possam ligar-se. Tais superfícies não têm de estar localizadas em uma área, mas devem ser transportadas na corrente sanguínea à volta do corpo.Se a MASP2 fosse tão eficiente como o complexo protrombinase a ativação da MASP2 poderia levar à trombose e dessa maneira provocar mais dano do que benefício. A formação de um grande coágulo em volta da partícula ligante a MBL/ficolina deve inibir o clareamento pelos fagócitos. Apesar do baixo potencial de ativação da MASP2 ela assegura que somente uma quantidade limitada de trombina seja gerada e devido ao excedente de inibidores que são encontrados no plasma ela estará ativa apenas por um curto espaço de tempo. Isso tem dois efeitos: primeiramente não será gerada muita fibrina (provavelmente o suficiente para formar um coágulo sólido) e em segundo lugar a trombina ativa permanecerá ativa somente naquele sítio restrito de ativação já que será mais facilmente inibido antes de difundir-se para longe do sítio de ativação. A atividade gerada de trombina limitada, localizada aumenta a chance da fibrina ser depositada na superfície em que a MASP2 está ligada. Isso resultará na liberação de fibrinopeptídeos A e B e na deposição da fibrina que atrai fagócitos e serve como pontos de adesão para as células do sistema imune. Essa atividade deve ser uma atividade remanescente da MASP2 a partir de alguma protease ancestral.



Quando o C1s foi testado nós não vimos capacidade de ativar a prótrombina, a despeito da MASP2 e do C1s serem considerados da mesma origem comum e homólogos muito próximos. Foi mostrado previamente que a MASP1 tem uma atividade típica de trombina, e que ativa o fator XIII e cliva o fibrinogênio diretamente. Quando a MBL ou ficolinas, com MASP1, 2 e 3 associadas ligam-se a alvos (ex. bactéria) a MASP2 pode ativar subsequentemente o sistema complemento através da clivagem de C4 e de C2. Ambas as MASP1 e MASP2 contribuem para a ativação localizada do fibrinogênio. O papel da MASP3 permanece desconhecido. Nós estamos estudando correntemente os relativos papéis da MASP1 e da MASP2 na ativação do fibrinogênio e do fator XIII.


Recentemente outro estudo mostrou, como este, que o complemento e a coagulação devem estar mais proximamente ligados do que previamente se acreditava. Foi observado que camundonos nocauteados para C3 eram capazes de gerar C5a. Essa atividade foi inibível pela hirudina, um inibidor específico da trombina, sugerindo que esta geração de C5a era dependente da trombina. Como nosso estudo mostra, os complexos MBL/ficolina MASP2 puderam contribuir para a formação da trombina necessária para o mecanismo postulado na referência 25. Entretanto a incubação de C5 com trombina não produz clivagem significativa de C5, quando analisado em SDS-PAGE, por isso uma ou mais protease intermediária deve ser necessária. Ambos os nossos estudos e a referência 25 sugerem que o sistema de coagulação e o sistema complemento podem estar interconectados em várias vias, refletindo sua origem comum e que eles devem ser capazes de suplementar um ao outro em alguma extensão no caso de deficiências.

FONTE: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1910608/?tool=pubmed

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