segunda-feira, 17 de março de 2008

APOPTOSE DOS LINFÓCITOS

Na biologia existem muitas situações nas quais as células morrem normalmente e são eliminadas por fagocitose sem provocar reações inflamatórias prejudiciais ao organismo. Por exemplo, o processo de embriogênese envolve a modelagem de tecidos e de órgãos por meio de um equilíbrio entre divisão celular e morte, e as reduções fisiológicas dos níveis circulantes de hormônios induzem a morte das células dependentes do hormônio. Em todas essas situações ocorre morte celular por um processo chamado apoptose, que é caracterizado por clivagem do DNA, condensação e fragmentação nuclear, vesiculação da membrana plasmática, alterações na distribuição lipídica da membrana e deslocamento das células da matriz extracelular. As células em apoptose são rapidamente fagocitadas porque elas expressam moléculas de membrana que são reconhecidas por uma variedade de receptores expressos nos fagócitos. Esse tipo de morte celular fisiológica contrasta com a necrose, na qual a integridade da membrana plasmática é rompida e os conteúdos celulares são enzimaticamente degradados e liberados, resultando em inflamação patológica. No sistema imune, a apoptose é importante para a eliminação de linfócitos indesejáveis e potencialmente perigosos em muitos estágios de maturação e após a ativação das células maduras. Nas seções seguintes descreveremos a indução da apoptose e a importância fisiológica desta forma de morte celular, focalizando os linfócitos. O papel fisiológico da apoptose no sistema imune está discutido neste e em outros capítulos.

INDUÇÃO DE APOPTOSE NOS LINFÓCITOS

A indução de apoptose envolve a ativação de enzimas citosólicas chamadas caspases. As caspases são proteases cisteínicas (i. é, proteases com cisteínas nos seus sítios ativos), assim chamadas porque elas clivam substratos nos resíduos de ácido aspártico. As caspases estão presentes na maioria das células sob uma forma inativa (também chamada zimógeno, referindo-se a uma enzima inativa). No seu estado inativo, a caspase existe como uma cadeia peptídica única com o predomínio de um domínio catalítico. As caspases são ativadas por clivagem após resíduos aspárticos, e a caspase ativa é um dímero com duas subunidades catalíticas. Já foram identificadas 14 caspases, e este número provavelmente deverá aumentar. Algumas caspases funcionam como iniciadoras do processo de apoptose normalmente clivando e posteriormente ativando mais caspases. Essas caspases ativadas funcionam como efetoras ou executoras, clivando vários substratos, induzindo a fragmentação nuclear e outros eventos da apoptose. Nos linfócitos, a ativação de uma caspase e a subseqüente apoptose poderão ser induzidas por vias distintas, uma das quais associada a alterações da permeabilidade mitocondrial e a outra associada a sinais originados dos receptores da membrana plasmática.

Morte Celular Passiva como Resultado da Perda do Estímulo para Sobrevida: as Vias da Apoptose, intrínseca e mitocondrial.

Se os linfócitos forem privados do estímulo necessário para a sobrevivência, tais como os fatores de crescimento ou os co-estimuladores (para as células T), o resultado é o rápido aumento da permeabilidade das membranas mitocondriais e a liberação de citocromo c no citoplasma. O citocromo с funciona como um co-fator com uma proteína chamada fator-1 de ativação da apoptose (Apaf-1) para ativar uma enzima chamada caspase-9, que inicia a via apoptótica. Outras proteínas liberadas das mitocôndrias podem bloquear diretamente a atividade antiapoptótica normal das proteínas da família Bcl , resultando também em morte celular. Essa via de apoptose é chamada morte celular passiva, indicando que não há necessidade de um sinal dos receptores de morte. (Note, no entanto, que todas as vias da apoptose são induzidas pela ativação de enzimas e pela degradação de proteínas). Essa forma de apoptose é também chamada morte celular programada, ou morte por negligência, indicando que muitas células são programadas para morrer, a menos que sejam resgatadas por estímulos de sobrevivência. Irradiação que cause degradação do DNA, glicocorticóides e certas drogas quimioterapêuticas podem induzir apoptose nas células-alvo pelos mesmos mecanismos mitocondriais. Ainda, recohecimento do antígeno por si só pode causar uma translocação mitocondrial de fatores (obs.: tRNAS que entram nas mitocôndrias, como vimos no OMIM tRNALYS?) pró-apoptóticos da família Bcl (como Bim, Bax e Bak), os quais bloqueiam o efeito protetor dos fatores antiapoptóticos, também resultando em morte celular.
Morte Celular Induzida pela Ativação Mediada pelos Receptores de Morte: Vias de Apoptose, Intrínsecas ou Iniciada pelos Receptores.
A segunda via de apoptose dos linfócitos é acionada pela ligação de ligantes aos receptores de membrana que induzem a morte. Os mais bem definidos receptores de morte pertencem a uma família de proteínas com domínios extracelulares homólogos ricos em cisteína. Os primeiros membros dessa família a serem identificados foram os receptores para a citocina fator de necrose tumoral (TNF), e a família inclui um grande número de proteínas, como o Fas e o CD40. As regiões citoplasmáticas dos diferentes membros dessa família contêm um “domínio de morte” conservado ou um domínio que se liga às moléculas de sinalização e ativa os fatores de transcrição. Os dois receptores mais bem descritos que contêm domínios de morte são o Fas (CD95) e o receptor TNF tipo I; focalizamos o Fas como protótipo porque o seu papel na regulação dos linfócitos está mais bem estabelecido. O Fas foi identificado como uma proteína de superfície com 36 kD que, na ligação cruzada com anticorpos específicos, aciona a apoptose das células que o expressavam. As células linfóides e muitos outros tipos celulares expressam Fas. Células linfóides e vários outros tipos celulares expressam a molécula Fas. O Fas ligante (FasL) é uma proteína homotrimérica de membrana, que é expressa principalmente nos linfócitos T depois da ativação pelo antígeno e pela interleucina-2 (IL2). {Obs.: no livro “Imunologia” do Eli Benjamini, a IL2 é descrita com a função de fator de crescimento dos linfócitos T : ...”os genes dos receptores de citocinas são transcrtos em RNAm e traduzidos em proteína. Mais precisamente, a ativação da célulaT leva à transcrição de uma das cadeias do receptor para IL-2, IL-2Rα (CD25). Dentro de 24 horas a célula aumenta o seu tamanho e secreta aproteína IL-2. Em seguida, a IL-2 pode ligar-se a seu receptor presente na mesma célula T ou em outra célula T. Após cerca de 48 horas começa a síntese de DNA e após aproximadamente 72 horas a célula entra em divisão. Portanto, o resultado final da via de ativaão é a proliferação e diferenciação da célula T.”}.Quando lifócitos T maduros são repetidamente estimulados por antígenos, eles co-expressam Fas e FasL. O Fas liga-se ao FasL na mesma célula ou nas células adjacentes, agregando três moléculas de Fas. Os domínios de morte intracelulares aglomerados ligam-se a uma proteína adaptadora que contenha um domínio de morte citosólico chamado FADD (para domínio de morte associado ao Fas). O FADD, por sua vez, liga-se à forma inativa de uma caspase, a caspase-8. A caspase-8 sofre ativação autocatalítica e é capaz de ativar as caspases efetoras e determinar a apoptose. Essa via de apoptose é chamada morte celular por ativação, porque é induzida pela ativação do linfócito (e não pela ausência de estímulos para sobrevivência). O receptor TNF tipo I provavelmente ativa uma via semelhante. Embora o receptor TNF tipo I não se ligue diretamente ao FADD, o seu domínio citoplasmático liga-se a uma proteína homóloga, chamada TRADD (para domínio de morte associada ao receptor TNF), que poderá recrutar FADD para o complexo. O papel fisiológico dos receptores TNF na regulação da sobrevida dos linfócitos e na autotolerância não está bem estabelecido. Note que a apoptose induzida pelo reconhecimento do antígeno e envolvendo as vias mitocondriais também é chamada de morte celular ativa, porque depende da ativação induzida pelo antígeno.
A morte celular passiva pela via mitocondrial e a morte celular induzida pela ativação diferem nos modos pelos quais são induzidas e, como iremos ver adiante, na sua regulação e nos principais papéis fisiológicos. Em algumas células não-linfóides, como os hepatócitos, os sinais induzidos pelos Fas resultam no aumento da permeabilidade da mitocôndria, e as duas vias de morte podem atuar em cooperação para acionar a apoptose. Muitas das proteínas capazes de induzir e regular a apoptose foram identificadas como produtos de genes que são homólogos aos genes que regulam a apoptose no parasita Caenorhabditis elegans. Durante o desenvolvimento desse parasita, tipos particulares de células morrem em uma seqüência precisa, de modo que as conseqüências das manipulações genéticas sobre a morte ou a sobrevida das células podem ser precisamente definidas. São conhecidos diversos e diferentes genes ced (para “morte” celular), e foram identificados os seus homólogos mamíferos. A caspase-9 é homóloga a Ced-3, a Apaf-1, ao Ced-4 e a proteína antiapoptótica Bcl-2, ao Ced‑9.

Mecanismos Efetores da Apoptose

Assim que se ativa a ação proteolítica da caspase-9 ou da caspase-8, elas se tornam ativas e, por sua vez, clivam e ativam outras caspases efetoras, incluindo a caspase-3 e a caspase-6. Essas enzimas atuam sobre uma variedade de substratos, incluindo nucleases e proteínas do envoltório nuclear, dando início à fragmentação do DNA e à degradação nuclear, os marcos da apoptose. (Deve-se notar que nem todas as caspases de mamíferos estão envolvidas na morte celular. A primeira dessas enzimas de mamíferos a ser identificada, atualmente conhecida como caspase-1, fuciona para converter o precursor da citocina IL-1β à sua forma ativa, e por isso foi originalmente chamada de enzima conversora de interleucina-1 [ICE]. Com base neste nome, a caspase-8 foi originalmente chamada de ICE semelhante ao FADD ou FLICE.)

REGULAÇÃO DA APOPTOSE. A morte programada dos linfócitos (morte celular passiva) é prevenida por muitos tipos de estímulos que levam à ativação, incluindo o reconhecimento específico do antígeno, os fatores de crescimento (como citocina IL-2) e a co-estimulação (p. ex., incorporação do CD28 nas células T pelas moléculas B7 nas APCs). Esses estímulos induzem a expressão das proteínas antiapoptóticas da família Bcl, evitando a morte celular. A primeira proteína desta família a ser identificada foi a Bcl-2, porque foi o segundo oncogene encontrado em um linfoma de célula B no homem. O Bcl-2 e seu homólogo Bcl-x inibem a apoptose por impedirem a liberação do citocromo c e pela ligação ao Apaf-1 e também por inibirem a ativação da caspase-9. Já foram identificados muitos outros membros da família Bcl que formam homodímeros e heterodímeros que podem ser fosforilados em resposta aos fatores de crescimento e, deste modo, regular as suas atividades. Os detalhes dessas interações estão sendo estudados em muitos laboratórios. Algumas proteínas da família Bcl são pró-apoptóticas. Por exemplo, a molécula Bid (que contém domínios homólogos aos encontrados nas proteínas Bcl) liga-se e bloqueia a atividade do Bcl-2. Dessa forma, o Bid promove apoptose. Outra proteína, conhecida como Bim, que pode ser induzida pelo reconhecimento antigênico, funciona como antagonista do Bcl-2 promovendo a apoptose. Muitos outros membros pró-apoptóticos e antiapoptóticos dessa complexa família já foram identificados. As proteínas Bcl não parecem bloquear a apoptose induzida pelo receptor Fas/TNF na maioria dos tipos celulares.
A morte celular induzida pela ativação via Fas é evitada por uma proteína chamada FLIP (para proteína inibidora FLICE), que possui o domínio da morte mas não tem um domínio caspase. A FLIP pode ligar-se à proteína adaptadora FADD ou à caspase-8 inativa no citoplasma, porém não pode ativar esta caspase. Por isso, ela inibe competitivamente a ligação da caspase-8 ao complexo protético associado ao Fas bloqueando o sinal apoptótico. As células T naive (de reserva?) contêm níveis elevados de FLIP, e a ativação das células em presença da IL-2 inibe a expressão da FLIP. Esse é o modo pelo qual a via Fas é inativada nas células T naive, permitindo que se desenvolvam respostas estimuladas pelo antígeno, porém ficam ativas sob estimulação da célula T, funcionando para evitar respostas aos repetidos encontros com os antígenos. {Ou seja, as células naive, por possuírem muita FLIP não sofrem apoptose por indução da IL2 associada a antígeno, e isso permite que processem uma resposta ao antígeno. Quando são ativadas por células T , as FLIP, em bora inibidas, impedem a apoptose imediata da célula. Será isso?}

PAPÉIS FISIOLÓGICOS DA APOPTOSE DIS LLINFÓCITOS

A morte celular programada, ou passiva, exerce um papel no controle do tamanho da massa linfocitária em muitos estágios da maturação e ativação dessas células. Os linfócitos imaturos, que não expressam receptores de antígeno funcionais, ou não passaram por seleção positiva, morrem por negligência. Após a maturação, se os linfócitos naive não encontrarem os antígenos para os quais eles são específicos, essas células morrem por apoptose. Depois da ativação pelo antígeno, muitas das progênies clonais das células ativadas também morrem quando o antígeno é eliminado. Em todas essas situações, os linfócitos não receberam o estímulo para a sobrevivência, que poderia protegê-los da morte celular programada. Como era esperado, a superexpressão de Bcl-2 ou de Bcl-x como um transgene nos linfócitos T ou B resulta em aumento da sobrevivência de lifócitos imaturos e prolonga as respostas imunes. Portanto, essa via de apoptose é essencial para manter a homeostase do sistema imune.
A morte celular induzida pela ativação mediada pelo Fas parece ser mais eficaz para evitar a ativação descontrolada dos linfócitos (p. ex., pela grande e contínua presença dos antígenos próprios). O grande interesse na função do Fas foi impulsionado pela demonstração de que, em duas linhagens de camundongos isogênicos que desenvolvem doenças auto-imunes em conseqüência de uma mutação de gene recessivo único, os defeitos residem no Fas e no FasL. Essas foram as primeiras doenças imunes sistêmicas que mostraram resultar de uma falha apoptótica. Foi descrito um pequeno número desses distúrbios em seres humanos. No Cap.18 voltaremos a discutir sobre esses distúrbios. A seleção negativa dos timócitos imaturos que encontram altas concentrações de antígenos próprios é também devida à morte celular induzida por ativação, porém, não parece que a via usada para a morte usa os receptores Fas ou TNF. A via Fas pode evitar a ativação descontrolada dos linfócitos devido às infecções persistentes (p. ex. algumas infecções virais), mas a importância desta via na homeostase normal não está descrita. A morte celular mediada por Fas:FasL , além do seu papel na manutenção da tolerância periférica aos antígenos próprios, poderá servir a outras funções. A citólise pelos linfócitos T CD8+ citotóxicos (CTLs) é em parte mediada pela molécula FasL nos CTLs que se ligam aos Fas das células-alvo. Os dois tecidos conhecidos como sítios de privilégio imune, ou seja, os testículos e os olhos, podem expressar constitutivamente o FasL. Postula-se que o FasL induz a morte dos linfócitos que entram nesses tecidos, desta forma prevenindo a resposta imune nesses locais e mantendo o privilégio imune. No entanto, esses achados geram controvérsia e não são aplicados a todas as espécies. O valor fisiológico do privilégio imune nesses tecido e no sistema nervoso central ainda não está bem esclarecido. O papel fisiológico do privilégio da apoptose induzida pelo reconhecimento do antígeno sem presença do segundo sinal também não está bem esclarecido; acredita-se que tenha uma grande importância na homeostase e na autotolerância.

Trecho do Capítulo 10 “Tolerância Imunológica” do livro IMUNOLOGIA CELULAR E MOLECULAR de Abul K. Abbas e Andrew H. Lichtman

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