domingo, 9 de novembro de 2008

Terapia Gênica para os Fatores VIII e IX (continuação)

ESTABILIDADE MELHORADA DO FATOR VIII


Após a ativação proteolítica pela trombina, o heterodímero de FVIIIa (FVIII ativado) é rapidamene inativado através de dois processos distintos: uma dissociação espontânea do domínio A2 e a clivagem proteolítica do FVIII por uma proteína C ativada. Na luz da instabilidade do FVIIIa, tentativas tem sido feitas para gerar moléculas estáveis que mantenham a atividade do co-fator por períodos de tempo mais sustentados. Até o presente, duas moléculas assim têm sido produzidas e avaliadas.
{OBS.: O FVIII possui 26 éxons dos quais 24 variam sua extensão em 69 a 262 pares de bases; os éxons maiores são o 14 e o 26. A proteína precursora após splicing tem 2351 aminoácidos. A proteína circulante é dividida em duas cadeias, a pesada e a leve, cada uma constitui um monômero. Da cadeia pesada, fazem parte os domínios A1, A2 e o domínio B. A segunda cadeia é composta pelos domínios A3, C1 e C2. O esquema representativo simplificado é A1-A2- B//A3-C1-C2. }
A primeira forma resistente à inativação do FVIII referida como molécula IR8), envolve a deleção dos resíduos 794-1689 (do aminoácido 794 ao 1689), tanto que o domínio A2 é covalentemente associado à cadeia leve, então impedindo a dissociação espontânea do domínio A2. A molécula IR8 também contém mutações sem sentido {OBS.: que muda o código de um aminoácido para um códon finalizador, em que o polipeptídio perde o segmento no terminal carboxila. T. A Brown} nos sítios de clivagem por trombina e pela proteína C ativada para inibir a inativação proteolítica. Após a expressão em células COS-1, a atividade específica de IR8 foi 5 vezes mais alta do que a do FVIII de tipo selvagem, e a IR8 reteve 38% do pico de atividade co-fatora quatro horas após a exposição à trombina “in vitro”, em contraste com a proteína de tipo selvagem, a qual foi desativada após 10 minutos. Desafortunadamente, enquanto a dissociação espontânea do domínio A2 é impedida pela construção IR8 e a inativação proteolítica é reduzida significativamente, essa molécula também demonstra ligação reduzida em 10 vezes com o fator von Willebrand (vWF) a não ser que a cadeia leve de anticorpo anti-FVIII seja introduzida dentro do sistema.
{OBS.: Tendo em mente as cadeias pesada e leve do FVIII: A1-A2-B//A3-C1-C2, o FVIII possui sítios de interação com trombina em A1,A2,A3 E C2 e sítios para vWF em A3 e em C2 (três sítios); tem sítios para FX e FXa nos domínios A1, A2 e C2. O sítio de clivagem por FXa no terminal carboxila do domínio A1 (arg 336) coincide com a inativação relacionada ao sítio de clivagem por APC (proteína C ativada) e por FIXa. Outros sítios de clivagem por proteína C ativada e por FIXa estão respectivamente em arg 562 e arg 1719. Os fatores VIII e V são glicoproteínas homólogas que servem como co-fatores para a ativação proteolítica de FX e protrombina, respectivamente. Eles têm a organização conservada dos domínios A1,A2,B,A3,C1 E C2. Os domínios A dos fatores V e VIII são homólogos ao domínio A da proteína do plasma de ligação a cobre ceruloplasmina. O cobre tem sido detectado em FVIII e sua presença está associada a sua atividade funcional. Enquanto as seqüências de aminoácidos dos domínios A e C são 40% idênticas entre os fatores V e VIII, existe somente uma limitada homologia entre os seus domínios B. Entretanto, os domínios B de ambas as proteínas tem conservadas as adições de grande número de oligossacarídeos ligados a aspargina assim como grande número de oligossacarídeos ligados a serina/treonina (aminoácidos que contém grupos sulfato), sugerindo que o carbo-hidrato tem um papel na função dos co-fatores.
Os fatores VIII e V também têm um padrão conservado de ligações dissulfeto (sulf é prefixo de enxofre), qualquer substância que esteja ligada ou tenha enxofre ligado nela) nas quais duas ligações dissulfeto ocorrem nos domínios A1 e A2, onde somente o pequeno laço dissulfeto está presente em seus domínios A3 (acho que os domínios A1 e A2 se ligam com A3 por pontes dissulfídicas). Em adição, cada domínio C nos fatores V e VIII conte, uma ligação dissulfeto. Existe um número de resíduos de cisteínas não ligadas por dissulfeto dentro do fator VIII. A formação de ligações dissulfeto ocorre no ambiente oxidante do Retículo Endoplasmático (ER) e é possível que chaperones (acompanhantes) como a proteína dissulfeto isomerase sejam importantes para assegurar a formação de ligação dissulfeto corretamente e que a troca ocorra antes da saída do RE. Fonte: Capítulo 2 do Livro Textbook of Hemophilia, por Randal J. Kaufman
.}
A segunda forma estabilizada de FVIII a ser gerada de novo envolve a associação covalente do domínio A2 à cadeia leve do FVIII. Nesse exemplo, uma molécula de FVIII contendo cisteína em 664 e em 1826 foi gerada para ligar os domínios A2 e A3 por via da ligação dissulfeto. Essa molécula é ativada normalmente pela trombina “in vitro”, e retém mais de 90% de sua função co-fatora num tempo em que o FVIII de tipo selvagem apresenta menos de 10% da atividade.

PROLONGAMENTO DA SOBREVIVÊNCIA INTRA-VASCULAR DO FATOR VIII

Estudos noticiados em 1999 por dois laboratórios têm mostrado que o catabolismo de FVIII é mediado, ao menos em parte, pela remoção de proteína através de uma interação com a proteína relacionada ao receptor de lipoproteína de baixa densidade (LRP), uma interação que é facilitada pelos proteoglicanos de sulfato de heparan na superfície celular (HSPGs). A caracterização dos LRP como receptores catabólicos para FVIII representa a primeira documentação da via de limpeza (remoção), e embora o LRP também atue como um receptor para muitos outros ligantes, existe realmente evidências “in vivo” que sustentam um papel fisiológico para o receptor na remoção do FVIII. Com essa informação como base de conhecimento, existem novos projetos em progresso para desenvolver moléculas de FVIII que evadam dessa interação com LRP e assim alcancem uma circulação de tempo prolongado para a proteína.
Três sítios de ligação a LRP têm sido documentados até agora na molécula FVIII: uma região do domínio A2 entre os resíduos 484 e 509, um segundo sítio entre os resíduos 1811 a 1818 no domínio A3, e uma terceira região no extremo terminal C do domínio C2 entre os resíduos 2.303 e 2.332. Um único sítio para ligação a HSPG tem sido documentado no domínio A2. Enquanto o bloqueio da interação de FVIII com LRP tem sido mostrado por prolongar a meia-vida da circulação do FVIII, a geração de novas variantes do FVIII nas quais as interações com LRP são bloqueadas comprovarão o desafio, não menos porque os sítios de ligação a LRP coincidem com região de proteína que ligam-se outros ligantes fisiológicos importantes como FIXa, vWF e fosfolipídios. Finalmente, dependendo do sucesso dessa estratégia, outra complicação de longo termo desta abordagem pode ser a geração de um elevado nível plasmático de FVIII crônico, um fenômeno agora reconhecido como um fator de risco para doenças tromboembólicas.

REDUÇÃO DA IMUNOGENICIDADE DO FATOR VIII

Comentários gerais concernindo à imunogenicidade do Fator VIII.

O desenvolvimento de inibidores neutralizantes para o fator VIII em aproximadamente 25% dos pacientes de hemofilia A tratados é a conseqüência de um número de fatores, alguns dos quais são moderadamente bem compreendidos e alguns dos quais continuam a nos iludir. Existe agora muito boa evidência que indica que os genótipos de FVIII nulo estão associados com um risco mais alto para geração de inibidores, que também existe uma influência de um número de fatores relacionados ao tratamento, incluindo o tipo de concentrado do FVIII, a intensidade do tratamento, e a co-existência de um estado inflamatório. A mais pertinente dessas discussões é o potencial para alteração da imunogenicidade do FVIII através da introdução de novas mudanças nas seqüências. Existem verdadeiros precedentes para uma uma incidência aumentada de desenvolvimento de inibidores em pacientes tratados com diferentes formas de concentrado derivado do plasma, e, embora não haja uma clara diferença entre a imunogenicidade da maioria dos concentrados derivado do plasma ou recombinantes, existe ainda algum debate sobre essa matéria. A incidência do desenvolvimento de inibidores com o concentrado de domínio B deletado (BDD), ReFacto, parece muito similar a de todos os outros produtos de FVIII.
Com essa base de conhecimentos, está claro que o uso da biotecnologia para criar novas formas de FVIII pode resultar em três conseqüências muito diferentes: uma proteína FVIII com um perfil antigênico similar ao da proteína de tipo selvagem, ou uma nova proteína com ambas as antigenicidades aumentada e diminuída. De fato, uma vez que alguma característica funcional aumentada de FVIII bio-engenheirado pode ser fácil de ser avaliada, o potencial para incitar a formação do inibidor pode ser consideravelmente mais difícil de avaliar.

O DESENVOLVIMENTO DE MOLÉCULAS DE FVIII COM IMUNOGENICIDADE REDUZIDA

Uma quantidade considerável tem sido aprendida sobre os detalhes da resposta imunológica para o FVIII nas duas décadas passadas. Mais importante, a partir do ponto de vista da geração de moléculas com imunogenicidade reduzida, nós agora temos extensa informação relacionada aos epítopos de células B na molécula de FVIII. Os epítopos imunodominantes principais parecem estar localizados do domínio A2 ao domínio C2 da proteína, com as ligações para anticorpos a estes sítios neutralizando FVIII através de mecanismos que incluem a inibição da ligação a FIXa e aos fosfolipídios. Uma terceira, um tanto menos imunorreativa, região da proteína existe no domínio A3.
A estratégia básica para redução da imunogenicidade para o FVIII tem sido introduzir seqüências derivadas do FVIII de outras espécies (porco), as quais não afetam adversamente a função do co-fator mas parecem ser menos antigênicas do que os resíduos correspondentes humanos. Entretanto, enquanto essas moléculas demonstram reduzida atividade cruzada com muitos aloanticorpos (anticorpos para antígenos alógenos) humanos, ainda não está claro como elas serão toleradas pelo sistema imune “in vivo”.
Àparte do potencial de uso de novas formas engenheiradas do FVIII para reduzir a imunogenicidade para esta proteína, existe realmente alguma evidência para sugerir que a terapia genética do FVIII em si mesma poderia ser um método efetivo de indução da tolerância imunológica para o FVIII. O sucesso dessas abordagens será aceitável dependendo do número de fatores, incluindo o sítio e a magnitude da expressão do trans-gene, mas neste estágio do desenvolvimento da terapia genética da hemofilia, existe razão para ser otimista em que esta estratégia proporcionará em última análise uma alternativa para os protocolos de indução de tolerância.

APERFEIÇOAMENTO TECNOLÓGICO DO FATOR IX

Possivelmente devido à reduzida prevalência da hemoflia B, e a mais robusta expressão, meia-vida mais longa, e relativamente mínima imunogenicidade do FIX, tentativas para aumentar a produção e função biológica dessa proteína tem sido limitadas.

Extensiva experiência clínica com o concentrado recombinante de FIX, BeneFIX, tem mostrado que alterações para a modificação pós-transcricional da proteína podem ter significativas conseqüências para o perfil farmacocinético da proteína. Assim, a expressão de trans-genes de FIX a partir de outras células que não os hepatócitos podem estar associadas com limitações similares, e requerem modificações para a proteína trans-gênica superar uma desvantagem biossintética inerente.

A entrega de trans-genes de FIX para o músculo esquelético tem sido comprometida, em alguma extensão, pela ligação de proteínas secretadas para o colágeno IV nos tecidos ao redor. A geração recente de dois FIX mutantes, no códon 5 (de lisina para alanina) e 10 ( de valina para lisina), com reduzida ligação para o colágeno IV tem resultado, num modelo de camundongo hemofílico, em níveis cinco vezes aumentados de FIX circulante e, insuspeitavelmente, um aumento de duas vezes na atividade específica. Similarmente, a entrega do trans-gene de FIX contendo a substituição da arginina pela alanina no códon 338 mediada pelo vetor viral associado à glândula (AAV) tem sido mostrada por resultar em uma proteína com atividade específica sete vezes mais alta. De nota, nenhuma dessas formas variantes do FIX elicitou uma resposta inibidora em camundongos transgênicos tolerantes à forma selvagem do FIX humano.

O FUTURO DA BIOTECNOLOGIA DO FATOR DA COAGULAÇÃO

Existe toda indicação de que o desenvolvimento do FIII e FIX de tipo selvagem recombinantes, e, do FVIII com o domínio B deletado (FVIII BDD), representam somente o início de uma era na qual nós veremos tentativas adicionais para melhoria das proteínas hemostáticas encontradas na natureza. Essas novas proteínas da coagulação verão muito semelhante paralelo no curso do desenvolvimento para uso em reposição de rotina de proteínas exógenas, assim como em testes de terapia genética. Este é o cenário em que as vantagens biossintéticas e funcionais de novas formas de FIII e FIX bio-engenheiradas podem ser o maior benefício como resposta para o problema de longa data dos níveis inadequados de expressão do trans-gene em estudos de terapia genética para a hemofilia. Finalmente, entretanto, como as estruturas da proteína nativa são alteradas para conseguir-se uma função biológica aumentada, sistemas para avaliar o potencial de imunogenicidade dessas novas moléculas serão críticamente importantes se nós estivermos por evitar um aumento da incidência da geração de inibidores.


Fonte: Gene Therapy: molecular engineering of factor VIII and factor IX.
David Lillicrap
In: Textbook of Hemophilia
Edited by Christine A. Lee, Erik E. Berntorp & W. Reith Hoots

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