domingo, 9 de novembro de 2008

TERAPIA GÊNICA: ENGENHARIA MOLECULAR DO FATOR VIII E DO FATOR IX

Fonte: Gene Therapy: molecular engineering of factor VIII and factor IX.
David Lillicrap
In: Textbook of Hemophilia
Edited by Christine A. Lee, Erik E. Berntorp & W. Reith Hoots

RESUMO

O quanto mais nos movemos em direção à era do tratamento genético para a hemofilia, um número de desafios permanecem por ser superados antes de podermos afirmar o sucesso dessas novas abordagens terapêuticas. Embora significativos progressos tenham sido realizados nos termos de testes pré-clínicos da terapia genética para a hemofilia, com o tratamento de sucesso de longo prazo para camundongos e alguns cães hemofílicos, nenhuma melhora fenotípica sustentada foi completada até agora na hemofilia humana. Dois principais obstáculos continuam como uma praga neste campo: a falta de um sistema no qual níveis do fator de coagulação terapêuticos de longo prazo sejam expressados a partir de um trans-gene, e o potencial de incitação da resposta imune ao produto do trans-gene.

CONSEQÜÊNCIAS DAS ESTRATÉGIAS EM GERAL PARA MELHORAR A TERAPIA GÊNICA PARA HEMOFILIA

A despeito do fato de que o conceito de terapia genética substitutiva seja simples, existem, não surpreendentemente, muitas complexidades relacionadas à efetiva entrega e expressão dos trans-genes do fator de coagulação. Assim, enquanto este capítulo enfatizará os benefícios potenciais da modificação do produto trans-gênico por si mesmo, outras abordagens para aumentar a eficácia e a segurança da terapia gênica para a hemofilia também estão sendo desenvolvidas. Isto inclui a investigação de vários sistemas de entrega virais e não-virais, a avaliação dos diferentes sorotipos virais para melhorar as eficiências de transdução (transferência de DNA), e a geração de novos cassetes de expressão do trans-gene e restringí‑los a tecidos de seleção limitada. Embora todas essas abordagens tenham o objetivo comum de melhorar o nível de expressão do trans-gene, e limitar a resposta imunológica ao produto do trans-gene, existem evidências crescentes que indicam que cada combinação de vetor, expressão do cassete (deve ser a fita de DNA com promotor), e trans-gene pode ter seu próprio conjunto distinto de vantagens e limitações.

NOVOS FATORES PARA A TERAPIA GENÉTICA E PRODUÇÃO DA PROTEÍNA RECOMBINANTE

Embora a possibilidade de intensificação da terapia gênica para a hemofilia através do desenvolvimento de novas moléculas dos fatores VIII (FVIII) e IX (FIX) terem-se tornado um objetivo realizável e excitante, é importante reconhecer que essas mesmas moléculas podem encontrar sua utilização inicial como proteínas recombinantes para terapia de reposição de rotina. O desenvolvimento recente de concentrados de fatores de coagulação recombinante que não têm contato com outras proteínas derivadas do organismo humano, tanto durante a expressão da célula em cultura ou no final da formulação, tem essencialmente removido totalmente o risco virtual de transmissão de agentes infecciosos que continuaram a existir com os concentrados recombinantes das primeira e segunda gerações. Assim, com a avaliabilidade de concentrados muito seguros e puros, o próximo desafio biotecnológico tem sido melhorar o trabalho da natureza e desenvolver moléculas de fator de coagulação com características biológicas e farmacêuticas aumentadas. Existe toda razão para crer que o desenvolvimento dessas proteínas ocorrerá em paralelo para o uso de ambos os protocolos de reposição de proteína e terapia genética.

CARACTERÍSTICAS DA MOLÉCULA PERFEITA DO FATOR DE COAGULAÇÃO

Assim como o desenvolvimento do FVIII recombinante representa um dos primeiros triunfos da tecnologia do cDNA recombinante, existe agora um otimismo crescente de que a engenharia genética possa melhorar no potencial terapêutico dos fatores de coagulação nativos. Conseguir desenvolver proteínas de coagulação com propriedades biológicas aumentadas pressupõe que nós conhecemos o bastante a respeito das relações estruturais e funcionais dessas proteínas para saber como engenheirar estruturas melhoradas. Certamente, nosso conhecimento sobre as estruturas e funções do FVIII e FIX têm progredido notavelmente nas duas décadas passadas, mas nós ainda estamos algo distantes de um completo entendimento dos detalhes estruturais dessas proteínas. Ainda não existe uma estrutura em cristal completa para o FVIII, o papel do domínio B do FVIII (se algum existe) permanece obscuro, e a função precisa de co-fator proporcionada pelo FVIII intrínseca ao complexo tenase ainda não está resolvido. Assim, enquanto algumas tentativas racionais possam ser feitas para melhorar a síntese e as propriedades hemostáticas dessas proteínas, ainda existem algumas complexidades da estrutura que escapam ao nosso entendimento.

EFICIÊNCIA BIOSSINTÉTICA MELHORADA

A primeira área onde reforços têm sido feitos para melhorar essas proteínas são relacionados a mudanças que deverão aumentar a eficiência da biossíntese do fator de coagulação. Ambos o FVIII e FIX submetem-se a um complexo processamento após a tradução (do DNA para o mRNA precursor) e etapas que se seguem à síntese inicial, e existe boa evidência que indica que a eficiência e a precisão desse processo é essencial para o ótimo funcionamento da proteína. Além disso, enquanto modificações tais como a sulfatização do FVIII são requeridas para a atividade funcional plena, interações da proteína nascente com moléculas acompanhantes (chaperones) no retículo endoplasmático regulam a secreção da proteína em um modelo ainda incompletamente compreendido. A geração de linhagens de células que facilitam esses processos ou moléculas recombinantes por engenharia que têm mais qualidade de eficiência biossintética são abordagens biotecnológicas que têm sido realmente perseguidas com algum sucesso.

ATIVIDADE ESPECÍFICA AUMENTADA

A segunda característica funcional que tem atraído a atenção biotecnológica é o potencial de geração de moléculas com atividade pró-coagulante aumentada. Existe uma variedade de abordagens para perseguir tal objetivo, duas das mais eficientes parecem ser o potencial de comparação de seqüências protéicas a partir de outras espécies na qual a atividade hemostática aumentada está observada (isto é, o FVIII canino no qual a atividade de FVIII no plasma é aproximadamente oito vezes mais alta do que nos humanos) ou uma estratégia de substituição de domínios homólogos ou resíduos de proteínas relacionadas.

ESTABILIDADE MELHORADA DA PROTEÍNA

Um significativo problema na entrega de níveis adequados de FVIII para um efeito terapêutico é a extrema instabilidade da proteína. Assim, estratégias para estabilizar a estrutura do FVIIII circulante, e para inibir sua esvaziamento através de proteólise pela proteína C, têm recebido a atenção recente na tentativa de prolongar o seu tempo de vida no plasma.

SOBREVIVÊNCIA INTRA-VASCULAR PROLONGADA

As médias de tempo de vida do FVIII e FIX na circulação são de 12 e 24 horas respectivamente. Assim, regimes profiláticos efetivos para infusão de FVIII têm sido pensados, até muito recentemente, por requererem a administração de tratamentos três vezes por semana. A profilaxia di FIX pode ser administrada duas vezes por semana. Entretanto, o potencial para estender a meia-vida natural das proteínas poderia proporcionar a oportunidade para infusões menos freqüentes da proteína ou, no contexto da terapia gênica, resultaria numa menor requisição da expressão do trans-gene. O conceito tem sido significativamente apoiado pela recente elucidação de um mecanismo de remoção para o FVIII envolvendo duas proteínas amplamente expressadas na superfície celular, as proteínas relacionadas aos receptores de lipoproteína de baixa densidade e proteoglicanos de sulfato de heparan. A interferência com esta via catabólica, a qual também é responsável pela remoção do FIXa, tem sido mostrada por estender a meia-vida do FVIII circulante em experimentos com animais, e assim proporciona uma estratégia potencial para melhorar o protocolo de entrega do FVIII.

IMUNOGENICIDADE REDUZIDA

O desenvolvimento de anticorpos neutralizantes para o FVIII em aproximadamente 25% dos pacientes tratados continua a representar um desafio crítico para o tratamento seguro e efetivo da hemofilia A. A incidência de inibidores na população co hemofilia B é significativamente menor, de aproximadamente 3%. A base molecular para esses eventos imunológicos é discutida em detalhes em outro lugar neste livro, mas é suficiente dizer que os inibidores parecem representar respostas oligoclonais para múltiplos epítopos dentro de domínios específicos da proteína FVIII. Ao longo do tempo, o padrão de reatividade contra estes epítopos pode mudar. Dada esta informação, esforços têm sido feitos para reduzir a imunogenicidade do FVIII através da substituição das regiões ou resíduos de proteínas nativas que parecem ser epítopos imunodominantes.

APERFEIÇOAMENTOS BIOTECNOLÓGICOS DO FATOR VIII

Novas Proteínas do Fator VIII avaliáveis correntemente.

A primeira proteína do FVIII alterada geneticamente, ReFacto, tem sido agora difudida em uso clínico por vários anos. Este produto tem sido gerado sem o domínio B do FVIII, uma região da proteína que é funcionalmente dispensável, ao menos quanto ao que concerne à função concebida do fator VIII. A remoção do domínio B proporciona uma vantagem na biossíntese dessa forma de molécula devido ao aperfeiçoamento da expressão do mRNA do FVIII e, com muito extensão, na secreção melhorada da proteína. Após extensiva avaliação clínica, existe indicação geral de que esta molécula funciona normalmente como um co-fator pró-coagulante, e que ela não é mais imunogênica do que a lente (extensão) total da molécula de FVIII. Entretanto, a molécula com o domínio B deletado (BDD) produz resultados diferentes em ensaios “in vitro” da atividade funcional de FVIII, um fenômeno que tem causado significativa confusão no cenário clínico. Os resultados de ensaios de um estágio com o FVIII BDD podem estar mais baixos que 50% daqueles obtidos com ensaio de FVIII cromogênico. Enquanto o mecanismo para esta discrepância permanece não resolvido, os conteúdos de fosfolipídios do ensaio de um estágio é um dos fatores de influência.
Até agora, a maioria dos estudos de terapia genética tem utilizado a forma BDD do FVIII para tomar vantagem em ambas as melhoras na biossíntese e eficiência associadas com esta molécula e a facilidade do empacotamento do cDNA de um FVIII menor. Entretanto, estudos mais recentes sugerem que a deleção completa do domínio B pode não ser o processo mais efetivo de otimização da secreção do FVIII, e moléculas estão sendo correntemente geradas que têm deleções parciais do domínio B combinadas com mutações que interferem com a ligação do FVIII a chaperones (acompanhantes) tais como proteínas de ligação a imunoglobulinas.

Aumento da Atividade Específica do Co-fator FVIII

Enquanto os detalhes precisos da função do c-fator pró-coagulante de FVIII permanecem por ser elucidadas, o produto de sua atividade pode ser avaliado adequadamente com ensaios de funcionamento do FVIII. Usando estes ensaios e a mensuração dos antígenos de FVIII, a atividade específica de co-fator do FVIII derivada de algumas outras espécies, tal como os cães, pode ser documentada por ser várias vezes mais alta do que a do FVIII humano. Essa observação proporciona o potencial, através de comparações seqüenciais, para desenvolver moléculas de FVIII co função hemostática acrescida. Entretanto, sem mais conhecimento estrutural preciso da função de co-fator da proteína, essa estratégia provavelmente tomará uma considerável quantidade de tempo e efeito para ser produzida.

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