domingo, 28 de fevereiro de 2010

Domesticando a víbora: Novos Genes Eucariotos Oriundos de Viroses de RNA

Eugene V Koonin


RESUMO

Genomas de várias especies de leveduras contém cópias de DNA integradas de genomas completos ou genes individuais de viroses de RNA de fita dupla não retrovirais como relatado em um artigo recente da BMC Biology por Taylor e Bruenn. As sequências específicas de vírus integradas são ao menos parcialmente expressadas e parecem evoluir sob pressão da seleção de purificação, indicando que esses genes são funcionais. Junto com relatos similares sobre cópias integradas de algumas viroses de RNA de animais, esses resultados sugerem que a integração de cópias de DNA de viroses de RNA não reversamente transcritas deveriam se muito mais comuns do que o se pensava previamente.

COMENTÁRIO

Em um recente artigo na BMC Biology, Taylor e Bruenn pela primeira vez relataram um estudo molecular e evolutivo detalhado dos genes de vírus de RNA não retrovirais integrados dentro dos genomas eucariotos (mais adiante NIRV, viroses de Rna integradas não retrovirais). As conclusões são não menos que atordoantes: os NIRV são não somente difundidos nos fungos como também eles se tornaram legítimos genes funcionais. Para viroses retróides, a integração dentro do DNA genômico do hospedeiro é um estágio regular do ciclo reprodutivo e as sequências derivadas de retro-elementos compreendem quase a metade do DNA genômico dos mamíferos e, surpreendentemente, mais de 75% do DNA genômico em algumas plantas como o milho; nos genomas fungosos mais compactos, as sequências derivadas de retro-elementos são menos abundantes mas também comums.


Até agora, o NIRV tem sido uma história completamente diferente: fidedígnos relatos da integração de cópias de DNA de genes de vírus de RNA não retrovirais dentro dos genomas dos hospedeiros podem ser contados nos dedos da mão. A idéia de que transcriptase reversa (RT) presente nas células eucarióticas poderia produzir NIRV foi defendida primeiramente por Zhdanov logo após a RT ter sido descoberta, seguida de reportagens sobre cópias integradas de várias viroses diversas de RNA de fita única. Entretanto, essas reportagens não foram confirmadas independentemente, com uma notável exceção em que sequências específicas de vírus integrados foram descobertas em camundongos infectados com o vírus da coriomeningite linfocítica (CLMV), levando à intrigante hipótese de que cópias integradas deveriam ter contribuído para a imunidade vitalícia de animais sobreviventes. Mais recentemente, longas sequências integradas, aparentemente derivadas de um novo flavivírus, foram detectadas nos genomas dos mosquitos Aedes albopicus e do Aedes aegypti. A mudança do curso do NIRV parece vir do recente trabalho de Frank e Wolfe que observaram os genomas disponíveis de Hemiascomycete fungi (Saccharomycotina) para sequências homólogas àquelas das viroses e plasmídios, e detectaram em torno de 10 inserções derivadas de viroses de RNA de dupla fita, a classe dominante das viroses de RNA de fungos, em cinco espécies de fungos. O trabalho de Taylor e Bruenn extende os resultados de Frank e Wolfe através de uma caracterização detalhada dos NIRV derivados de uma família específica de viroses de dsRNA (Totiviridae, tipificado pelo vírus L-A da Saccharomyces cereviciae) em cinco genomas de fungos, alguns dos quais carregam cópias completas dos genomas virais enquanto outros possuem somente genes virais individualmente, e adiciona vários achados chave que demonstram a relevância biológica dos NIRV. Primeiro, Taylor e Bruenn provaram inequivocamente que existe integração dos genomas virais de dupla fita de RNA nos genomas dos fungos pela análise da reação em cadeia da polimerase das fronteiras entre a cópia do genoma do vírus integrado e o DNA do hospedeiro; a identificação de sequências quiméricas leva à ausência de dúvida de que sequências específicas de vírus estão, de fato, integradas ao genoma do fungo. Segundo, mostrou-se que os NIRV são completamente, ou parcialmente, transcritos em mRNAs poliadenilados mas nenhuma partícula de dsRNA ou viral é formada. Terceiro, análises filogenéticas mostram que as sequências dos NIRV de fungos relativamente distantes formam clados distintos nas árvores de proteínas homólogas de totiviroses exógenas (a proteína do capsídio (CP) e a RNA polimerase dependente de RNA (RdRp)) sugerindo que os NIRVs se espalham por transferência horizontal de genes (HGT) entre os fungos. Quarto e talvez o mais notável, uma comparação das sequências dos NIRV de diferentes espécies de fungos mostra que suas taxas de subsstituição de nucleotídeos não sinônimos para sinônimos (Kn/Ks) é significativamente menos que 1 o que é evidência da evolução sob a pressão da seleção purificadora (embora, julgando a partir dos valores de Kn/Ks, essa pressão é relativamente fraca). O trabalho de Taylor e Bruenn não proporciona nenhuma pista direta do mecanismo de integração do NIRV mas não resta dúvida de que a transcrição reversa toma parte, mais provavelmente, com a RT proporcionada por retroelementos Ty. Muito recentemente, o papel dos retro-transposons endógenos na integração do LCMV nos camundongos foi mostrado diretamente.

Tomados juntos, esses resultados indicam que o NIRV nos genomas fungosos codifica proteínas funcionais. Então quê funções poderiam ter estas (proteínas)? Uma possibilidade bastante óbvia é a proteção contra infecção com viroses exógenas e os resultados de Taylor e Bruenn proporcionam alguma sustentação para essa hipótese. Em adição à sua função como proteína do capsídeo, a CP do totivírus também é uma enzima que intativa mRNAs do hospedeiro pela remoção de seu capuz na extremidade 5’ (enzima desencapusadora). A comparação dos NIRVs com sequências homólogas de totiviroses exógenas mostra que os resíduos de aminoácidos requeridos para a atividade desencapuzante são principalmente substituídos nos NIRVs , de acordo com a possibilidade de a CP codificada pelo NIRV ser um inibidor dominante negativo da encapsulação do vírus; tal função também é compatível com a duplicação do gene da CP em alguns genomas de fungos. Em contraste, a RdRp do NIRV, ao menos a versão do Debaryomyces hansenii que está disponível no GenBank retém os resíduos catalíticos (EVK, observações não publicadas), sugerindo que poderiam estar enzimaticamente ativos. Uma especulação intrigante é que a RdRp do NIRV poderia contribuir para a imunidade antiviral pela amplificação de transcritos específicos do vírus que deveriam proteger a célula por via do mecanismo de RNA de interferência. É claro que é impossível excluir que os NIRVs e seus produtos protéicos possuam outras funções celulares normais em adição a ou mesmo ao invés de seu suspeito papel na imunidade antiviral. Entretanto, a distribuição esporádica do NIRV no genoma do fungp e, ainda mais importante, sua distribuição aceitavel pela via da HGT parece ter melhor compatibilidade com a hipótese da imunidade. A possibilidade de que os NIRVs dos fungos proporcionam resistência contra viroses exógenas os põe dentro do contexto do desabrochar da área de pesquisa da ‘imunidade baseada na integração’. Uma nova forma de imunidade antiviral adaptativa adquirida que foi recentemente descoberta na bactéria e na archaea é mediada pelas então chamadas sistema CRISPR (repetições palindrômicas curtas interespaceadas regularmente em conjunto). Esse sistema funciona pela integração de pequenos segmentos de DNA de vírus (bacteriófagos) dentro de lócus específicos do genoma do hospedeiro e os utiliza para impedir a replicação do vírus cognato, mais provavelmente por via do mecanismo de tipo RNA de interferência. O sistema CRISPR em funcionamento envolve um mecanismo molecular especializado intrincado mediado pelos genes Cas (associados a CRISPR). A imunidade mediada pelo NIRV, se for um fenômeno real, parece jazer em um mecanismo mais genérico de expressão regular de genes. O princípio da imunidade adquirida, não obstante, permaneceria o mesmo: captura de sequências específicas do vírus e seu uso subseqüente contra o vírus. A imunidade baseada na integração deve ser ainda mais comum: relatos recentes revelam múltiplas insersões de sequencias de para-retrovírus em um genoma de videira, uma planta que parece ser resistente à viroses ativas desse grupo e inserções de curtos fragmentos de ambos os genomas virais em RNA e DNA em insetos e crustáceos. Uma tentativa de especulação geral é que a integração de sequências específicas dos vírus no genoma do hospedeiro resultando na imunidade adquirida seja uma rota ubíqua da interação vírus-hospedeiro que é manifestada através de abundantes mecanismos específicos.

A segunda mensagem importante da história do NIRV é a relativamente recente aparição da HGT entre os fungos. A prevalência e os papéis da HGT na evolução eucariota é uma matéria bastante controversa, com relativamente poucos casos vestidos de ferro. Entretanto, as observações sobre os NIRVs, sobre as quais as recentes demonstrações de múltiplas aquisições de genes bacterianos pelos fungos mostra que, embora a HGT seja provavelmente muito menos penetrante nos eucariotos do que nos procariotos, o seqüenciamento de múltiplos genomas eucariotos diversos revela um substancial tráfego genético lateral. Com o advento da nova geração dos métodos de seqüenciamento, a genômica está se expandindo rapidamente, e não há duvida de que nós seremos muito mais surpreendidos.

ABREVIATURAS

CP: capsid protein; CRISPR: cluster regularly interspersed short palindromic repeats; ds: double stranded; HGT: horizontal gene transfer; NIRV: non-retroviral integrated Rna viruses; LCMV: lymphocytic choriomeningitis virus; RdRp: RNA-dependant RNA polymerase; RT: reverse transcriptase.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2823675/?tool=pubmed

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