segunda-feira, 29 de junho de 2009

UM DESENPENHO PARA MANOSILAÇÕES EXPOSTAS NA APRESENTAÇÃO DE PROTEÍNAS TERAPÊUTICAS PRÓRIAS DO SER HUMANO AOS LINFÓCITOS TCD4+

Suryasarathi Dasgupta,abc Ana-Maria Navarrete,abc Jagadeesh Bayry,abc Sandrine Delignat,abc Bharath Wootla,abc Sébastien André,abc Olivier Christophe,de Michelina Nascimbeni,fg Marc Jacquemin,h Luisa Martinez-Pomares,i Teunis B. H. Geijtenbeek,j Arnaud Moris,k Jean-Marie Saint-Remy,h Michel D. Kazatchkine,abc Srinivas V. Kaveri,abc and Sébastien Lacroix-Desmazesabcl


Várias proteínas próprias do ser humano elicitam respostas imunes quando administradas aos pacientes. Essas respostas imunes adversas reduzem a eficácia da droga (do remédio). Para induzir uma resposta imune, uma proteína tem que interagir com diferentes células imunes, incluindo as células apresentadoras de antígenos, células T e células B. Cada tipo de célula reconhece padrões imunogênicos ou antígenos distintos. Glicanas com terminação em manose têm sido identificadas como padrões moleculares associados a patógenos que são essenciais para a internalização dos micróbios pelas células apresentadoras de antígenos, levando à apresentação. Aqui, nós investigamos a importância da manosilação exposta em uma proteína terapêutica própria do ser humano, o fator VIII humano pró-coagulante (FVIII). A administração do FVIII terapêutico aos pacientes de hemofilia A induz anticorpos inibitórios anti-FVIII em mais de 30% dos casos. Nós demonstramos que a entrada do FVIII nas células dendríticas (DC) levando à ativação da célula T, é mediada por glicanos com terminação e manose no FVIII. Além disso, nós identificamos o receptor de manose do macrófago (CD206) como um receptor endocítico candidato para o FVIII na DC. A saturação de receptores de manose nas DC com manana, e a remoção enzimática de glicanos manosilados a partir do FVIII levaram à ativação reduzida das células T. A interação entre o FVIII e a CD206 foi bloqueada pelo VWF, sugerindo que, sob condições fisiológicas, a imunogenicidade dependente de manose intrínseca ao FVIII é suprimida por imunochaperones endógenas. Esses dados proporcionam uma ligação entre a manosilação de proteínas próprias terapêuticas e sua imunogenicidade iatrogênica (referente a uma resposta a tratamento clínico ou cirúrgico induzida pelo próprio tratamento; termo habitualmente utilizado para indicar respostas desfavoráveis. Stedman). Tal ligação seria de especial relevância no contexto da terapia de reposição onde mecanismos de tolerância central e periférica não tenham sido estabelecidos durante a ontogenia (desenvolvimento do indivíduo independente da filogenia que é o desenvolvimento evolutivo da espécie) devido à ausência do antígeno.

Palavras-chave: dendritic cells, factor VIII, hemophilia, mannose receptor, mannosylated glycans.

INTRODUÇÃO

Várias proteínas próprias terapêuticas, incluindo produtos isolados do sangue humano, citocinas humanas recombinants, e fatores de crescimento recombinantes elicitam respostas imunes quando administrados aos pacientes. Essas respostas imunes adversas às moléculas próprias terapêuticas reduzem a eficácia e a potência da droga. Em particular, o tratamento dos episódios de sangramento nos pacientes de hemofilia A (HA) pela administração do fator VIII exógeno (FVIII) para restaurar a hemostasia normal resulta na emergência de aloanticorpos (aloanticorpo é um anticorpo específico para aloantígenos; aloantígeno é um antígeno que ocorre em alguns, mas não em todos os membros de uma espécie. Stedman) inibitórios anti-FVIII em mais de 30% dos casos. A ocorrência de inibidores do FVIII complica dia a dia a administração aos pacientes, embaraça o resultado clínico e representa um pesado fardo sócio-econômico.


O FVIII é uma glicoproteína heterodimérica composta de uma cadeia pesada com a estrutura A1-a1-A2-a2-B e uma cadeia leve com a estrutura a2-A3-C1-C2. Glicanos no FVIII terminam tanto com resíduos de galactose, fucose [uma metilpentose cuja configuração L é encontrada nos mucopolissacarídeos das substâncias dos grupos sanguíneos, no leite humano (como um polissacarídeo) e na composição de outras substâncias encontradas na natureza. A configuração D é encontrada em alguns antibióticos e em certos glicosídeos vegetais. Stedman] ou manose. A maioria das glicoformas terminando com resíduos de galactose é sialiada [ácido é um composto que libera um íon de hidrogênio em um solvente polar (ex. água); os ácidos formam sais substituindo todo o hidrogênio ionizável ou parte dele por um elemento ou radical eletropositivo. Stedman – ácidos siálicos são ésteres e outros derivados N-acil ou O-acil do ácido neuramínico; os radicais dos ácidos siálicos são sialoil, se o OH do COOH for removido, e sialosil, se o OH provém do carbono anomérico (C-2) da estrutura cíclica. – sialidase é uma enzima que cliva resíduos acetilneuramínicos terminais dos oliossacarídeos, glicoproteínas ou glicolipídios; presente no antígeno de superfície do mixovírus; utilizada em histoquímica para remoção seletiva de sialomucinas, como das glândulas mucosas brônquicas e do intestino delgado; a deficiência dessa enzima resulta em sialidose.] o que protege o FVIII da ligação ao receptor endocítico de asialoglicoproteínas [ASGR1 – omim 108360 – o gene ASGR1 codifica uma licoproteína que forma o receptor de asialolicoproteínas, também conhecido como receptor Ashwell, o qual é específico para glicoproteínas desialiadas (com terminal galactosil) e é expressado exclusivamente nas células do parênquima hepático.] As glicosilações terminando em manose não são, entretanto capturadas por sialização. Elas são encontradas na Asparagina 2118 e na Asparagina 239, e formam o segundo tipo de glicanos mais prevalentes no FVIII.
A natureza dos linfócitos T e B específicos para o FVIII envolvidos nas respostas imunes anti-FVIII tem sido elucidada. Pouco se sabe, entretanto, sobre a entrada do FVIII nas células profissionais apresentadoras de antígenos (APCs), um evento anterior à ativação dos efetores imunes e mandatório para a elicitação das respostas imunes primárias ao FVIII.


A presença de glicanos terminados em manose no FVIII é interessante com respeito a isso. A manosilação de antígenos não-próprios têm sido mostrada por aumentar sua endocitose pelas células dendríticas (DC) e subseqüente apresentação aos linfócitos T antígeno-específicos. Não obstante, as DC expressam vários receptores de lectina tipo C endocíticos (CLRs), incluindo o receptor de manose dos macrófagos (CD206), a ICAM3 específica de células dendríticas [omim – 146631 - Fawcett e outros (1992) clonaram um terceiro ligante para LFA1 (153370 integrina alfa L ;600065 itegrina beta 2) ; veja também ICAM1 e ICAM2. ICAM1 e ICAM2 são membros da superfamília das imunoglobulinas. A interação da LFA1 com a ICAM proporciona sinais de adesão acessórios esenciais em muitas interações imunes, incluindo aquelas entre os linfócitos T e B e as células T citotóxicas e seus alvos. Ambas as ICAMs são expressadas em pouca quantidad no endotélio vascular em descanso; a ICAM1 é fortemente sobre-regulada por estímulos de citocinas e atua num papel chave na detenção dos leucócitos nos vasos sanguíneos em sítios de inflamação e lesão. Os leucócitos em descanso foram mostrados por expressarem um terceiro ligante para LFA1, a ICAM3. A ICAM3 é potencialmente a mais importante ligante para LFA1 na iniciação da resposta imune porque a expressão da ICAM1 nos leucócitos em descanso é baixa. Fawcett e outros (1992) usaram a expressão de um clone para isolar um cDNA codificador da proteína que é constitutivamente expressada em todos os leucócitos e que se liga a LFA1. A ICAM3 é estritamente aparentada a ICAM1, consiste de 5 domínios de imunoglobulina e lia-se a LFA1 através de seus dois domínios no terminal N. Vazeux e outros (1992) clonaram a mesma molécula de adesão intercelular, à qual eles se referiram como ICAM-R. O cDNA tinha 1.781 pares de bases, com uma sequencia aberta de leitura de 1.640 pares de bases iniciando com um códon ATG na posição 16, sequido de um segundo ATG na posição 24. A identidade geral da estrutura da proteína com ICAM1 e ICAM2 era de 48% e 31%, respectivamente, com um grau de similaridade variando entre domínios individuais.] que se agarram a não-integrina (sinal DC) e dectina 2, as quais se ligam a residuos de manose expostos nas glicoproteínas através de seus domínios de reconhecimento de carbohidratos (CRDs).

Aqui nós investigamos a relevância da manosilação exposta no FVIII como um ligante para a entrada do FVIII na DC, o requerimento inicial para a indução de uma resposta imune específica. As DC foram usadas como APCs porque elas são indicadas como as mais críticas APCs profissionais para indução das respostas imunes primárias e são um modelo estabelecido para entender a imunogenicidade de ligantes manosilados. Para validar que a endocitose do FVIII pelas DCs leva à apresentação aos linfócitos TCD4+ nós pesquisamos a ativação de um clone celular da célula TCD4+ específica para o FVIII. Nossos resultados demonstram que os resíduos expostos de manose no FVIII atuam num papel significativo em sua captura pelas DC derivadas de monócitos e que a remoção dos resíduos expostos de manose leva a uma significativa reedução na apresentação aos linfócitos T.


RESULTADOS

Receptores sensíveis a manose mediam a endocitose do FVIII pelas DCs.

Primeiro nós estudamos a endocitose do FVIII pela DC derivada do monócito humano imaturo. A incubação das DC com FVIII conjugado a FITC (FVIII-FITC) resultou em um etiquetamento das células com FVIII dependente da dose e do tempo (dados não mostrados) e o etiquetamento dependente da dose das células com FVIII. Nós confirmamos que o FVIII é internalizado por uso de microscopia confocal. A alta porcentagem de células etiquetadas com FVIII-FITC após duas horas de incubação e o fato de que o excesso molar de 10 vezes do FVIII não conjugado inibiu a internalização do FVIII-FITC para mais de 60% (dados não mostrados) é sugestivo de uma endocitose do FVIII mediada por receptor. Para investigar a natureza do(s) recepor(es) envolvidos na endocitose do FVIII, nós incubamos as células por 30 min a 37oC com tanto 5mM EDTA, mannana (1mg/ml) ou galactose (1mg/ml) antes da adição do FVIII-FITC. A endocitose a 4oC foi usada como controle.

A endocitose do FVIII-FITC foi inibida para mais de 92+ 16,5% (P<0,01) no caso da EDTA. Estes dados implicam um papel para os receptores dependentes de íons bivalentes na endocitose do FVIII pelas DC. A EDTA também é conhecida por mediar a dissociação das subunidades do FVIII. O efeito inibitório da EDTA, entretanto, não foi devido à dissociação do FVIII induzida pela EDTA, porque a dissociação das subunidades do FVIII requer concentrações mais altas de EDTA e períodos mais longos de incubação do que os usados em nossos ensaios.


O policarbohidrato manana, um modelo de ligante competitive para a captura sensitivo à manose, reduziu a captura do FVIII-FITC para 60 + 19% (P<0,01), enquanto a galactose, um ligante competitivo para captura sensível a galactose, não teve efeito significativo. A especificidade da manana para CLRs (receptores de lectina tipo C) sensitivos a manose foi confirmada em nosso preparo experimental usando dextran etiquetado com FITIC, um típico ligante para CLRs sensíveis a manose, especialmente a CD20, e lúcifer amarelo (LY), a internalização dos quais procede exclusivamente pela macropinocitose independente de receptor. A internalização do dextran foi bloqueada em 89 + 9,3% na presença de manana, enquanto a da LY não foi afetada. Os resultados indicam que os receptores sensíveis a manose mediam uma parte significativa da endocitose do FVIII pela DC.



CD206 é uma candidata a receptor de manose para o FVIII.

Nós executamos ELISAs de lectina com contruções de Fc de receptores de manose candidatos a serem expressados pelas DC, CD206, e SINAL-DC. O FVIII ligou-se de maneira dependente da dose e sensitiva à manose à CD206, mas não ao SINAL-DC (dados não mostrados). A CD 206 contém vários domínios extracelulares: um domínio rico em cisteína (CR), um domínio de fibronectina tipo II (FNII), e oito domínios de reconhecimento de carbohidrato similares a lectina de tipo C (CTDL). Os ensaios de ligação direta foram executaodos usando a contrução CTLD4-7-Fc e a contrução CR-FNII-CTLD1-3-Fc não ligante de manose. O FVIII interagiu especificamente com os domínios CTLD4-7-Fc e não com o resto da molécula. A manana inibiu de modo dependente da dose a interação do FVIII com o CTLDA-4-7-Fc.


A endocitose do FVIII sensitiva à manose pelas DCs leva à apresentação dos peptídios derivados do FVIII aos linfócitos TCD4+.

Então nós exploramos se a endocitose do FVIII pela DC através da rota sensitiva a manose resulta no processamento do FVIII e na apresentação de peptídeos derivados do FVIII às células T. A incubação com o clone de células TCD4+ humanas específicas para o FVIII D9E9 e com a DC de doadores igualados em HLA, resultou numa ativação das D9E9 dependente da dose, como mensurado pela liberação de IFN-y, em uma cultura sobrenadante. O Fator IX, usado como um antígeno de controle negativo, falhou em ativar as D9E9, indicando que a DC ativa a D9E9 de modo antígeno-específico. O bloqueio dos receptores sensíveis a manose por pré-incubação de DCs com manana antes da adição do FVIII, resultou numa dramática redução dependente da dose (mais de 80%) da ativação das D9E9. O bloqueio dos receptores de manose com uma dose de saturação de IgG anti-CD206 (10μg/ml) resultou em uma significativa inibição da produção de IFN-y, confirmando que a CD206 participa na endocitose do FVIII. A inibição da endocitose do FVIII foi menor no caso da IgG anti-CD206 do que no caso da manana. Esta última diferença pode ser explicada pela multivalência da manana, o que pode conferir-lhe a hablidade de mascarar vários CRDs (domínios de reconhecimento de carbohidratos) na CD206 ao contrário do limitado obstáculo espacial proporcionado pelos anticorpos monoclonais. Alternativamente, outros receptores sensitivos a manose também podem estar envolvidos e sinergizar com a CD206 na captura do FVIII.

Para excluir um efeito inibitório direto da manana ou da IgG anti-CD206 na capacidade das DC para ativar as células T, nós usamos como um antígeno, o peptídeo de 18-mer (mer é um sufixo para indicar a menor unidade de uma estrutura repetitiva) não glicosilado derivado do FVIII I 2144-T2161 (Isoleucina 2144 – Treonina 2161), conhecido por ser um epítopo alvo para a D9E9. Não há evidência de que o peptídeo I2144-T2161 precise ser internalizado pelas DC para ativar a D9E9. Como retratado na figura 3B, as D0E9 foram ativadas pelas DC incubadas com o peptídeo I2144-T2161 independentemente da presença ou ausência de manana ou da IgG anti-CD206. Então nós investigamos se a manana tem um efeito inibitório direto na capacidade das células T serem ativadas. Com este fim, nós pesquisamos uma linha d célula B de HLA combnado humana não específica para FVIII e duas específicas para FVIII, LE56, LE2E9, e BO2C11. A LE2E9 e a BO2C11 internalizam o FVIII através de seus receptores de célula B (BCR). As três linhas celulares tem sido usadas como APCs para a ativação das D9E9. A manana na impediu a ativação da D9E9 por nenhuma das linhas de células B incubadas na presença do FVIII. Juntos, esses dados validam que os efeitos inibitórios da manana e da IgG anti-CD206 na ativação da D9E9 resultam do bloqueio da endocitose do FVIII sensitiva à manose pela DC.



Dos 23 glicanos do FVIII, 19 estão localizados no domínio B da molécula, dois na cadeia leve e dois na cadeia pesada. Primeiro nós confirmamos por análise de espectro de massa a presença de glicanas com terminação em manose nos sítios das Asn239 e na Asn2118 (asparagina 239 e 2118) do FVIII com domínio B deletado (BDD-FVIII) e sua ausência no domínio B do FVIII de lente completa (dados não mostrados). Depois nós comparamos a endocitose do FVIII de lente total e do FVIII com domínio B deletado pelas DCs. A inibição da captura de ambas as formas do FVIII foi saturada na mesma concentração de manana (100μg/ml), confirmando o envolvimento dos glicanos terminados em manose localizados fora do domínio B na captura do FVIII. A inibição da captura do dextran, um modelo de ligante para a CD206, foi saturada na mesma concentração de manana, enfatizando ainda mais o papel da CD206 na endocitose do FVIII sensitiva à manose.


Então nós submetemos o FVIII com domínio B deletado à desglicosilação enzimática suave com EndoF1. A EndoF1 cliva estruturas oligomanose e oligossacarídeos híbridos, mas não oligossacarídeos complexos. A remoção de estruturas de oligomanose no tratamento com a EndoF1 foi indicada por uma alteração no perfil de migração do BDD-FVIII. A desmanosilação do BDD-FVIII estava associada com menos ligação do FVIII aos domínios CRLD4-7 sensitivos à manose da CD206, como evidenciado pelo Western blot e pelo uso da abordagem ressonância de plasmônio (plasmônio é o total dos determinantes genéticos extracromossômicos do citoplasma da célula eucariótica. Stedman) de superfície (SPR). Consequentemente, as DC incubadas com o BDD-FVIII tratados com EndoF1 ativaram as D9E9 em menor extensão do que aquelas incubadas com o BDD-FVIII nativo (P< 0,0001 no caso das DC de três doadores diferentes). De nota, a desmanosilação do BDD-FVIII não foi tão eficiente na redução da ativação da célula T quanto a saturação dos receptores de manose na DC usando-se manana. A ligação residual do BDD-FVIII tratado com Endo-F1 ao domínio CTLD4-7 observada por uso de SPR e a habilidade residual do BDD-FVIII tratado com EndoF1 em ativar a D9E9 pode ser atribuída à presença de glucosaminas-N-acetil remanescentes no FVIII, as quais apresentam-se com moderada afinidade para a CD206.



A ligação do FVIII aos receptores sensitivos à manose é inibida pelo VWF.

O vWF é uma proteína chaperone (acompanhante) do FVIII. Recentemente nós demonstramos que o vWF protege o FVIII de ser endocitado pela DC. O vWF inibiu de modo dependente da dose e mais de 80% a ligação do FVIII ao CTLD4-7-Fc. Experimentos de controle validaram a ausência da ligação direta do VWF ao CTLD4-7-Fc e a ausência da inibição da ligação do FVIII ao CTLD4-7 pela albumina, usada como uma proteína irrelevante a concentrações equimolares às do VWF (dados não mostrados).

DISCUSSÃO

A entrada do antígeno nas APCs, e particularmente na DC, pode levar tanto à tolerância ao antígeno, ou, ao contrário, à ativação da resposta imune antígeno-específica. O fato da resposta, tanto tolerogênica quanto imunogênica, é governado por vários fatores: a natureza dos sinais proporcionados pelo antígeno para a DC, a quantidade de antígeno internalizado pela DC e apresentado às células T, o nível de maturação das células DC, a força e o tipo de sinais na sinapse das células DC e T, e o microenvolvimento das citocinas. De fato, “in vivo”, a endocitose do FVIII é seguida tanto pela iniciação da resposta imune anti-FVIII, como visto em 30% dos pacientes de hemofilia A, quanto pela indução de uma ativa tolerância própria, como recentemente descrito em indivíduos saudáveis. Entre os fatores mencionados acima, a entrada do antígeno na DC, ainda que não suficiente, é mandatório para a preparação das efetoras imunes específicas para o antígeno. Aqui, nós demonstramos que os resíduos de manose expostos no FVIII, usados como um modelo de proteína própria terapêutica que é imunogênica, contribui para sua entrada na DC. Nós demonstramos além que a captura sensitiva à manose do FVIII leva ao processamento e à apresentação de peptídeos derivados de FVIII aos linfócitos TCD4+. Nossas observações documentam um papel potencial para os receptores sensitivos à manose nas células profissionais apresentadoras de antígeno e para as metades (partes) de manose nas proteínas terapêuticas próprias humanas, tais como o FVIII, em sua imunogenicidade.


Nós demonstramos a relevância da manosilação exposta no FVIII para sua interação com as APCs e sua apresentação aos efetores imunes usando duas abordagens complementares: saturação de receptores de manose nas DC usando manana e leve desglicosilação do FVIII. A glicosilação em um antígeno deverá influenciar tanto a entrada do antígeno na DC, ou seu processamento intracelular, a entrada dos peptídeos derivados do antígeno no sulco das moléculas de MHC II, e/ou o reconhecimento dos complexos MHC II/peptídeo pelos TCR (receptor de célula T). Usando a endocitose do FVIII como uma excomunhão, nós mostramos claramente uma redução quantitativa da entrada do FVIII na DC quando a interação entre o FVIII e os receptores sensitivos à manose está perturbada. Assim, a manosilação conta para > 60% da captura do FVIII. A descoberta de uma captura residual do FVIII em 40% a despeito da ruptura da via sensitiva à manose indica o envolvimento de processo endocítico alternativo para o FVIII que resta a ser identificado. Nossos dados não publicados sugerem que membros da família dos receptores de lipoproteínas de baixa densidade e o receptore endocíticos sensitivos à manose Sinal DC nas DC derivadas de monócitos não estão implicados. A concentração do FVIII usada nos ensaios de endocitose foi muito mais alta do que a encontrada nos pacientes com hemofilia A em administração com o FVIII terapêutico. Por isso nós recorremos ao ensaio de ativação da célula T, no qual as DC foram encubadas com FVIII em concentrações próximas às alcançadas nos pacientes. O clone de célula T D9E9 então produziu 26+8 e 711+64 pg/ml de IFN-y (significa +SD) a 1 e 7 nM de FVIII, respectivamente. Esses dados confirmam que, em valores próximos aos níveis da terapia de reposição, a endocitose sensitiva à manose do FVIII pelas células DC leva à apresentação do FVIII a e à ativação dos linfócitos TCD4+.

O uso do ensaio de ativação das D9E9 não nos permite decifrar o papel direto dos glicanos manosilados no processamento, entrada, ou reconhecimento dos peptídios de FVIII. Entretanto, devido à D9E9 ser específica para epítopos não glicosilados do FVIII localizados entre os aminoácidos I2144 e T2161, esses dados indicam que a manosilação de toda a molécula de FVIII governa a apresentação de epítopos não glicosilados. Os três principais conjuntos de epítopos das células B para inibidores de FVIII estão localizados nos domínios A2, A3 e C2 do FVIII. Interessantemente, nenhum desses domínios é manosilado. É tentador especular que a alteração do padrão de manosilação do FVIII possa reduzir a apresentação de peptídeos epítopos derivados de regiões antigênicas do FVIII pelas DC aos linfócitos TCD4+. De fato, a remoção do açúcar manosilado na asparagina 2118 na cadeia leve do FVIII por mutagênese direcionada ao sítio aboliu completamente a ativação da D9E9 na incubação da cadeia leve mutada de Asn2118 para Ala (alanina) com as DC como APCs (S.Dasgupta, O.C., S.V.K., e S.L.-D, dados preliminares não publicados). Em contraste, a D9E9 foi ativada na apresentação da cadeia leve Asn2118Ala pelas BO2C11. O uso de produtos FVIII demanosilados mutados pode revelar uma estratégia previamente inusitada para reduzir o risco de inibidores em pacientes HA.


Nesse estudo, nós identificamos a CD206 como um candidato a receptor endocítico
sensitivo a manose para o FVIII nas DC. A CD206 tem sido implicada na homeostase de várias glicoproteínas manosiladas do soro pró-inflamatórias. Convergentemente, a CD206 tem sido mostrada por mediar a endocitose de um número de antígenos microbianos em virtude de sua manosilação exposta, estimulando assim as respostas de células T específicas para antígenos. Interessantemente, a interação de antígenos da tiróide com a CD206 nas APCs localizadas na glândula ou nos linfonodos drenantes tem sido implicada nas respostas auto-imunes patológicas aos antígenos da tireóide. A expressão exacerbada da CD206 tem sido associada com várias situações patológicas. Assim, as DC de pacientes com alergia ao ácaro da poeira caseira expressam mais CD206 do que as dos doadores saudáveis, e internalizam Derp 1, um antígeno principal do ácaro alérgeno, mais eficientemente. Similarmente, enquanto as células de Langerhans da pele humana normal não expressam CD206, as DC da epiderme inflamatória de pacientes com dermatite atópica e psoríase vulgaris expressam CD206 “in situ” e usam ela para a endocitose mediada por receptor. Presumivelmente, o baço é o principal órgão imunocompetente onde a resposta imune ao FVIII tem lugar. Nossos dados preliminares demonstram que a CD206 pode ser expressada pelas DC mielóides do baço e sugerem a funcionalidade da via endocítica dependente de CD206. (M. Nascimbeni, A. Hosmalin, L.Garderet, e B.Fabiani, observações não publicadas.)


Em adição às DC, as células B podem atuar como APCs eficientes e internalizar o antígeno para qual elas são específicas através de seus receptores de superfície de célula B. Assim, nos pacientes HÁ que já tenham sido tratados com FVIII, as células B específicas para o FVIII podem ser ativadas e participarem na endocitose do FVIII terapêutico a apresentá-lo às células T. Diferentemente das DC, entretanto, as células B carecem de outros receptores endocíticos tais como receptores sensitivos a manose. De acordo, a manana não bloqueou a ativação das células T quando as células B específicas para o FVIII (BO2C11 e LE2E9) e as células B não específicas para o FVIII (LE56) foram usadas como APCs. Juntos estes dados sugerem que, em uma situação onde as células B específicas para o FVIII não tenham sido disparadas (isto é, em pacientes que não receberam o FVIII exógeno ainda), os receptores de manose nas DC são a porta de entrada preferencial para o FVIII nas APCs. Em fisiologia, o FVIII circula complaxado com o vWF e é protegido da degradação por enzimas circulantes e anticorpos enzimáticos. O vWF tem sido proposto por reduzir a imunogenicidade do FVIII em pacientes com HA. Interessantemente, nós demonstramos recentemente que o VWF reduz a captura do FVIII pelas DC e a ativação das células T específicas para o FVIII. Nós noticiamos aqui que o VWF bloqueia a ligação do FVIII à CD206 de modo dependente da dose. Se o vWF pode reduzir a imunogenicidade do FVIII por esconder estereoquimicamente (em relação ao espaço tridimensional da molécula) a interação do FVIII com os receptores sensitivos à manose e assim prevenir sua captura pelas DC permanece por ser formalmente demonstrado.


Aqui nós propusemos uma ligação entre a manosilação de uma proteína terapêutica própria e sua imunogenicidade iatrogênica (resposta relativa ao tratamento). A associação das proteínas manosiladas com moléculas chaperones (acompanhantes) endógenas, tais como VWF, regula suas interações com receptores endocíticos, dessa forma restringindo a ativação de efetores imunes. Em algumas situações, entretanto, o equilíbrio ligante/receptor está perturbado, possivelmente levando ao disparo de reações imunes deletérias não desejadas. De fato, a expressão de receptores sensitivos à manose nas DC podem ser sobre-regulados como uma resposta a sinais inflamatórios. Alternativamente, a formação de complexos entre proteínas manosiladas e chaperones endógenas pode ser impedida, como é visto no caso do FVIII terapêutico recombinante que se associa incompletamente ao VWF. Esse equilíbrio perturbado representa um fator agravante no contexto da terapia de reposição onde um antígeno próprio está ausente e onde mecanismos de tolerância central e periférica não tenham sido estabelecidos durante a ontogenia (desenvolvimento do indivíduo aparte do desenvolvimento evolutivo).


FVIII
factor VIII
HA
hemophilia A
BDD-FVIII
B domain-deleted FVIII
DC
dendritic cells
VWF
von Willebrand factor
CLR
C-type lectin receptor
CTLD
C-type lectin-like domain


FONTE: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?tool=pubmed&pubmedid=17502612

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